quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Amandlha Aweto!

No último dia 05 de dezembro, o mundo ficou muito, mas muito mais pobre. E não falo dessa pobreza material, aparente, que assola a tantos. Infelizmente, disso todo mundo já sabia; que muitos viventes são pobres. Falo de outra pobreza, ainda pior, porque irremediável. Nosso mundo ficou muito mais pobre de referências, porque Nelson Mandela passou. Não morreu, porque mitos como ele jamais morrem, mas passou. Mito sim, porque, negro, ousou erguer a voz em um país comandado por uma numericamente insignificante minoria branca, que oprimia mais de 80% da população negra pelo regime segregacionista institucionalizado do apartheid, negando aos negros o direito ao voto, instalando-os em bairros e escolas separadas, proibindo os casamentos ditos inter-raciais ou mistos e sugando-os dia a dia, para que proporcionassem aos poucos brancos uma vida confortável, quase europeia, no Sul do continente africano. Por desejar esse ideal, de um país com democracia igualitária, Mandela, condenado à prisão perpétua pelo regime do apartheid como preso político, pagou com 27 anos de sua vida. Contudo, ainda assim, revelou-se um grande líder, carismático ao extremo e engenhoso negociador, pois só aceitou deixar a cadeia quando a igualdade dos negros aos brancos estava também institucionalmente garantida, com a certeza de eleições livres e multirraciais para logo. Deixou a prisão em 1990, com pressões internacionais crescentes por sua libertação. Em 1993, dividiu com o então presidente da África do Sul – Frederik W. de Klerk – o Prêmio Nobel da Paz, pelos esforços conjuntos para pôr fim ao regime segregacionista do apartheid. Unificada a África do Sul, Mandela fez confraternizar seu país por meio do rugby, esporte originalmente branco e pelo pai da nova África do Sul tornado multirracial, como pode ser acompanhado assistindo-se ao filme Invictus, dirigido por Clint Eastwood. Hoje, os problemas políticos, de corrupção e má distribuição de renda que a África do Sul tem são em muito semelhantes àqueles que temos aqui no Brasil. Mas a institucionalização da segregação racial está banida, e este é o grande legado de Mandela, ou Madiba, como é conhecido. Em sua etnia, este é o nome dado aos sábios que se fazem respeitar não pelo autoritarismo, mas pelo longo conhecimento que possuem. Infelizmente, e como não poderia deixar de ser, a atuação política, social e pessoal de Madiba renovou a autoestima dos africanos do Sul como um todo, mas não tornou este país no melhor dos mundos. As tensões sociais legadas por mais de 300 anos de implacável domínio branco sobre outros grupos étnicos, prioritariamente negros, deixaram suas profundas cicatrizes, como pode ser percebido na leitura de Desonra, livro do prêmio Nobel de Literatura sul-africano J. M. Coetzee. Na trama, é constante a presença do “aturar-se” entre negros e brancos, na cobrança de dívidas seculares e na exposição de chagas sociais profundas ainda abertas, mesmo no regime pós-Mandela. Ainda faltou um pouco para que se aprendesse o significado da saudação que Madiba dirigia ao povo depois de deixar a cadeia, e que entitula esta crônica. “Amandlha aweto”, sendo a primeira palavra evocação de Mandela a seu povo e a outra resposta do povo a seu novo líder, ambas em auto e bom som, significa “Poder ao povo”. Aprender a administrar esta máxima sem as tensões sociais que perturbam a nova África do Sul de todos os grupos é tarefa para os sul-africanos do futuro. E por que eu, Yara, Branca, brasileira, nascida pouco antes de Madiba ser libertado, estou escrevendo tudo isso? Porque Madiba, que deixou o poder ao fim de seu primeiro mandato como primeiro presidente negro da África do Sul, escolhendo permanecer nas mentes e corações de seu povo como um símbolo, é a pessoa, em todo o mundo, que melhor simboliza a vida que escolhi para viver. Explico: Além de todas as minhas características que acabo de citar acima, sou, também, cega, como alguns dos possíveis leitores desta crônica sabem. Assim, para nós, cegos, é absolutamente inconcebível que uma pessoa primordialmente boa, reta, íntegra como Mandela, tenha pago com 27 anos de sua vida pelo sonho de um país em que as pessoas não sejam classificadas pela cor de sua pele. Para nós, cegos, a cor da pele de alguém, claro, não importa, mas, como se diz por aí, nosso buraco é ainda mais embaixo. Não só a cor da pele não nos importa, como, para nós, ela, real e virtualmente, NÃO EXISTE! Para nós, pele é pele, e pronto! O resto é conversa-mole, perda-de-tempo. Para nós a cor da pele de outra pessoa é uma ridícula convenção visual, vazia, absurda e sem nenhum sentido. Não só não admitimos que uma pessoa seja classificada pela cor de sua pele, como, primordialmente, não entendemos isso. E como não entendemos, também nem sequer aceitamos a existência dessa possibilidade; e pronto! Tenho dito. Que ninguém perca tempo tentando nos convencer de uma idiotice como essas; não importa quais sejam os argumentos; essa pessoa de raciocínio limitado, que vier nos falar de ideias tais, vai passar a vida toda dando murros em pontas de faca, porque para esse tipo de classificação imbecil, nossos ouvidos, alardeados como muito finos, são prazerosamente surdos. E antes que me esqueça: se eu um dia vier a enxergar e passar a me importar com esse tipo de ridicularismo, prefiro que a visão me seja novamente tirada ou que eu nunca venha a tê-la, porque isso seria prova imensa de falta de merecimento. A própria Bíblia diz: “Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti/Pois te é melhor que se perca um dos teus membros/Do que seja todo o teu corpo lançado no inferno”. (Mateus, 5-29). Tivessem as pessoas consciência do mal que seus julgamentos tolos, aparentes e levianos fazem, muito do sofrimento de Mandela poderia ter sido evitado. E digo tudo isso aqui, no Brasil, para que ninguém se engane. As mesmas tensões sociais retratadas por Coetzee também nos assolam no Brasil, ainda que de maneira velada. Vamos acabar de uma vez por todas com isso, vergonha das vergonhas! Muitos não admitem, mas, infelizmente, precisaríamos também, aqui, de um Nelson Mandela. Madiba, enterrado em 15 de dezembro, foi uma dessas pessoas iluminadas que o céu manda ao mundo de quando em quando; como o Dalai Lama, Mahatma Gandhi – que inspirou o próprio Mandela-, a princesa Diana de Gales, Madre Teresa de Calcutá, os Papas João Paulo II e Francisco, Chico Xavier... Para mim, o legado de Mandela que fica, além da não importância da cor da pele, é a grande importância do perdão que ele concedeu aos que o aprisionaram, abandonando rancor e vingança ao sair da cadeia e pregando igualdade social, e a fé firme em um mundo melhor. É engraçado, mas sinto um vazio por não tê-lo conhecido e por saber, agora, que isso jamais será possível neste mundo. Mas alegra-me saber que existiu, um dia, uma pessoa que entendeu a Fraternidade Universal da mesma forma como eu a concebo e sinto; e essa pessoa foi Nelson Mandela! O que vou dizer é muito pouco, mas também é tudo o que palavras humanas podem expressar: “Obrigada, Madiba! Que o senhor encontre a luz, o descanso e a paz! E que eu possa conhecê-lo na eternidade um dia, com sua estatura alta e seu sorriso sempre largo; essa mesma eternidade em que todos são irmãos, se dão as mãos e confraternizam! Até um dia, Madiba”! “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. (Nelson Mandela – 1918-2013).

domingo, 15 de dezembro de 2013

Amandlha Aweto!

No último dia 05 de dezembro, o mundo ficou muito, mas muito mais pobre. E não falo dessa pobreza material, aparente, que assola a tantos. Infelizmente, disso todo mundo já sabia; que muitos viventes são pobres. Falo de outra pobreza, ainda pior, porque irremediável. Nosso mundo ficou muito mais pobre de referências, porque Nelson Mandela passou. Não morreu, porque mitos como ele jamais morrem, mas passou. Mito sim, porque, negro, ousou erguer a voz em um país comandado por uma numericamente insignificante minoria branca, que oprimia mais de 80% da população negra pelo regime segregacionista institucionalizado do apartheid, negando aos negros o direito ao voto, instalando-os em bairros e escolas separadas, proibindo os casamentos ditos interraciais ou mistos e sugando-os dia a dia, para que proporcionassem aos poucos brancos uma vida confortável, quase europeia, no Sul do continente africano. Por desejar esse ideal, de um país com democracia igualitária, Mandela, condenado à prisão perpétua pelo regime do apartheid como preso político, pagou com 27 anos de sua vida. Contudo, ainda assim, revelou-se um grande líder, carismático ao extremo e engenhoso negociador, pois só aceitou deixar a cadeia quando a igualdade dos negros aos brancos estava também institucionalmente garantida, com a certeza de eleições livres e multirraciais para logo. Unificada a África do Sul, Mandela fez confraternizar seu país por meio do Rugby, esporte originalmente branco e pelo pai da nova África do Sul tornado multirracial, como pode ser acompanhado assistindo-se ao filme Invictus, dirigido por Clint Eastwood. Hoje, os problemas políticos, de corrupção e má distribuição de renda que a África do Sul tem são em muito semelhantes àqueles que temos aqui no Brasil. Mas a institucionalização da segregação racial está banida, e este é o grande legado de Mandela, ou Madiba, como é conhecido. Em sua etnia, este é o nome dado aos sábios que se fazem respeitar não pelo autoritarismo, mas pelo longo conhecimento que possuem. Infelizmente, e como não poderia deixar de ser, a atuação política, social e pessoal de Madiba renovou a autoestima dos africanos do Sul como um todo, mas não tornou este país no melhor dos mundos. As tensões sociais legadas por mais de 300 anos de implacável domínio branco sobre outros grupos étnicos, prioritariamente negros, deixaram suas profundas cicatrizes, como pode ser percebido na leitura de Desonra, livro do prêmio Nobel de Literatura sul-africano J. M. Coetzee. Na trama, é constante a presença do “aturar-se” entre negros e brancos, na cobrança de dívidas seculares e na exposição de chagas sociais profundas ainda abertas, mesmo no regime pós-Mandela. Ainda faltou um pouco para que se aprendesse o significado da saudação que Madiba dirigia ao povo depois de deixar a cadeia, e que entitula esta crônica. “Amandlha aweto”, sendo a primeira palavra evocação de Mandela a seu povo e a outra resposta do povo a seu novo líder, ambas em auto e bom som, significa “Poder ao povo”. Aprender a administrar esta máxima sem as tensões sociais que perturbam a nova África do Sul de todos os grupos é tarefa para os sul-africanos do futuro. E por que eu, Yara, Branca, brasileira, nascida pouco antes de Madiba ser libertado, estou escrevendo tudo isso? Porque Madiba, que deixou o poder ao fim de seu primeiro mandato como primeiro presidente negro da África do Sul, escolhendo permanecer nas mentes e corações de seu povo como um símbolo, é a pessoa, em todo o mundo, que melhor simboliza a vida que escolhi para viver. Explico: Além de todas as minhas características que acabo de citar acima, sou, também, cega, como alguns dos possíveis leitores desta crônica sabem. Assim, para nós, cegos, é absolutamente inconcebível que uma pessoa primordialmente boa, reta, íntegra como Mandela, tenha pago com 27 anos de sua vida pelo sonho de um país em que as pessoas não sejam classificadas pela cor de sua pele. Para nós, cegos, a cor da pele de alguém, claro, não importa, mas, como se diz por aí, nosso buraco é ainda mais embaixo. Não só a cor da pele não nos importa, como, para nós, ela, real e virtualmente, NÃO EXISTE! Para nós, pele é pele, e pronto! O resto é conversa-mole, perda-de-tempo. Para nós a cor da pele de outra pessoa é uma ridícula convenção visual, vazia, absurda e sem nenhum sentido. Não só não admitimos que uma pessoa seja classificada pela cor de sua pele, como, primordialmente, não entendemos isso. E como não entendemos, também nem sequer aceitamos a existência dessa possibilidade; e pronto! Tenho dito. Que ninguém perca tempo tentando nos convencer de uma idiotice como essas; não importa quais sejam os argumentos; essa pessoa de raciocínio limitado, que vier nos falar de ideias tais, vai passar a vida toda dando murros em pontas de faca, porque para esse tipo de classificação imbecil, nossos ouvidos são prazerosamente surdos. E digo tudo isso aqui, no Brasil, para que ninguém se engane. As mesmas tensões sociais retratadas por Coetzee também nos assolam no Brasil, ainda que de maneira velada. Vamos acabar de uma vez por todas com isso, vergonha das vergonhas! Muitos não admitem, mas, infelizmente, precisaríamos também, aqui, de um Nelson Mandela. Madiba, enterrado hoje (15 de dezembro), foi uma dessas pessoas iluminadas que o céu manda ao mundo de quando em quando; como o Dalai Lama, Mahatma Gandhi – que inspirou o próprio Mandela-, a princesa Diana de Gales, Madre Teresa de Calcutá, o Papa Francisco... Para mim, o legado de Mandela que fica, além da não importância da cor da pele, é a grande importância do perdão que ele concedeu aos que o aprisionaram, abandonando rancor e vingança ao sair da cadeia e pregando igualdade social, e a fé firme em um mundo melhor. É engraçado, mas sinto um vazio por não tê-lo conhecido e por saber, agora, que isso jamais será possível neste mundo. Mas alegra-me saber que existiu, um dia, uma pessoa que entendeu a Fraternidade Universal da mesma forma como eu a concebo e sinto; e essa pessoa foi Nelson Mandela! O que vou dizer é muito pouco, mas também é tudo o que palavras humanas podem expressar: “Obrigada, Madiba! Que o senhor encontre a luz, o descanso e a paz! E que eu possa conhecê-lo na eternidade um dia, com sua estatura alta e seu sorriso sempre largo; essa mesma eternidade em que todos são irmãos, se dão as mãos e confraternizam! Até um dia, Madiba”!