quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Recuerdos Del Paisito: Piriápolis

"a Piria se lo puede hallar en todo cuanto su férrea voluntad creó. Fue un hombre que tuvo un sueño, lo hizo real y vive en él". (Loreley Lazo, poetisa uruguaia)

E finalmente hoje vamos a um lugar diferente. Do ambiente urbano, embora tranquilo e convidativo da capital Montevidéu, passaremos às estradas asfaltadas, planas, bem demarcadas e sinalizadas do Leste do país, com seus pinheirais e eucaliptos, coqueiros e palmeiras, até chegar a outro departamento, o de Maldonado. Ali o relevo não é mais plano e a região continua a ser cortada pelo Rio da Prata, até que se chega à Punta de Salinas, onde começa o Oceano Atlântico.

Aqui e ali, pela estrada, insinuam-se em meio à mata pequenas vilas sem asfalto, algumas casinhas, em sua maioria brancas, para de novo a paisagem ser tomada pelo verde. Esse jogo de revela-esconde das poucas casinhas brancas em meio à paisagem permaneceu por todo o caminho até Piriápolis, que já foi o balneário mais famoso do Uruguai.

É claro que o objetivo principal dos turistas, enquanto viajávamos, era Punta del Este, sempre aguardada. Fomos comunicados, no entanto, de que, no meio do caminho, passaríamos por Piriápolis para apreciar a vista. Aí fiquei pensando: o que eu poderia contar sobre Piriápolis, onde estive por uns vinte minutos e aonde os turistas que me acompanharam foram para apreciar a vista?... Cabia a mim descobrir o que era importante lá além da bela vista.

Então, algo que não pode deixar de ser contado é a história de seu fundador, Francisco Piria, que, afinal de contas, dá nome à cidade – Piriápolis, cidade de Piria. Só pensar “Quem foi esse uruguaio que fundou a própria cidade”? Já é algo que inspira a escrever. Assim, vamos a ele.

Filho de imigrantes genoveses, Francisco Piria nasceu em Montevidéu em 1847. Em idade escolar foi levado à Itália por um tio monge, que o colocaria em contato com os conhecimentos filosóficos sobre a alquimia, que teriam grande influência em sua vida e cuja simbólica pode ser vista e constatada em tudo quanto criou e desenvolveu. Além de ter fundado a cidade balneária de Piriápolis, chamada sugestivamente de “cidade do porvir”, é responsável pela existência de várias dezenas de bairros na capital uruguaia. A atual sede da Suprema Corte do país foi sua residência em Montevidéu, mandada construir por ele, cravada em pleno centro histórico da cidade, pertinho de onde eu me havia hospedado.

Tudo isso se deve à destacada atuação de Piria como empresário: desde logo tornou-se um homem de negócios, de tino extraordinário. Comprava terras, para depois dividi-las e vendê-las. “Convidava” amigos a se hospedarem na cidade, em grande parte argentinos, e depois fazia as propostas de venda, que se acabavam concretizando. E Piriápolis, cujo desenvolvimento foi baseado desde sempre no turismo, acabou por consolidar-se.

Contudo, eram apenas duas as pessoas de confiança de Piria que poderiam tocar esse projeto adiante depois de sua morte, que se deu em 1933: um de seus filhos, Pancho, e um amigo, Carlos Bonavita. Bonavita ceifaria a vida a Pancho após um desentendimento, e a si próprio logo depois, não muito tempo após o falecimento de Piria. Na ausência de seu fundador e de seus dois continuadores naturais, o Estado se apropriou da cidade, que perdeu seu status de balneário mais famoso do Uruguai para a vizinha Punta del Este. Entretanto, Piriápolis prossegue, ainda bastante famosa, com o ápice de sua temporada no verão.O turismo interno é bastante importante, embora latino-americanos em geral e mais recentemente europeus a estejam descobrindo.

Chegamos ao alto do Morro do Inglês, mais conhecido como Cerro San Antonio, por causa da capelinha depositária de uma imagem imponente do santo casamenteiro que está em seu cume. Enquanto meus companheiros de viagem apreciavam a vista, depois de tiradas algumas fotos, claaaaro, aproveitei para rezar; não pelas coisas do coração, que essas vão ser como tiverem que ser, mas pelos que estavam lá e pelos que ficaram aqui.

Por um capricho da natureza, a vista da Baía de Piriápolis lá de cima do Cerro San Antonio lembra um coração. Digo o óbvio, mas isso acabou por cativar os turistas todos. As fotos que fiz, guardo todas. Ilusões não tenho muitas. A ciência progride rápido, mas o tempo também está passando rápido e estou perdendo progressivamente a coragem e a vontade de me arriscar ante as investidas destemidas da medicina, a não ser que tenha mais garantias do que suposições. Contudo, as fotos me esperarão sempre. Quem sabe eu também não termino cativada pela Baía de Piriápolis um dia desses... Hoje não vivo mais para poder ver um dia, mas essa também não é uma possibilidade que eu descarto por completo; que seja o que tiver que ser.

domingo, 21 de setembro de 2014

Recuerdos Del Paisito: Museo La Casa Del Gobierno

20 de setembro, no Brasil, é o Dia do Gaúcho, por ser, primeiramente, o aniversário da Revolução Farroupilha (1835-1845), o mais longo conflito civil de nossa história, permeada que foi por tantos conflitos civis.

Ultimamente, tenho escrito bastante sobre o Uruguai. Uma das crônicas que planejei escrever a respeito daquele país tem como tema um museu que fui conhecer em Montevidéu, que dá destaque aos presidentes uruguaios, o primeiro deles que teve, por certo período de tempo, uma ligação estreita com o líder da nossa Revolução Farroupilha – Bento Gonçalves da Silva (1788-1847). Já que passamos, então, recentemente pelo Dia do Gaúcho, e já que também os uruguaios são gaúchos, assim como os argentinos, vamos a esta crônica um pouquinho antes do previsto.

Sempre que viajo, procuro privilegiar neste tempo o aspecto cultural. Assim, houve um dia em que decidimos sair para procurar em Montevidéu um programa cultural para fazer. A viagem quase chegava ao fim e ainda não havíamos conhecido a chuvinha gelada e o vento forte, tão típicos da cidade e tão propalados. Pois bem, justamente no dia em que decidimos sair a pé e sem capa nem sombrinha eles chegaram. A chuvinha gelada e um pouco apertada, tomei com prazer, recordando os tempos de infância, de férias em Pirassununga, em que eu reencontrava meu irmão e podíamos brincar juntos, na chuva, na casa da vó... Putz, como era bom brincar na chuva!!!

E foi debaixo daquela chuva trigelada que descobrimos o museu. Procurávamos pelo Teatro Solis, que ficava na mesma quadra. Dentro de uma loja havia uma uruguaia de olhos atentos, que nos viu e veio ao nosso encontro, tomando chuva também. Ela indicou o Teatro Solis e mostrou o prédio do museu, ali, diante de nós, sugerindo que fôssemos visitá-lo; fomos. Olharíamos o teatro de perto depois.

O Museo La Casa Del Gobierno era dedicado a todos os presidentes uruguaios. Nos foi possível ver retratos dos presidentes, quadros, medalhas, armas, coches, mobília, relógios, imagens reais e/ou fictícias do cotidiano dos uruguaios ao longo do tempo... Alguns presidentes tinham suas salas próprias; outros, talvez sobre os quais o museu tivesse menos itens, compartilhavam salas. Há um circuito que se pode fazer, começando pela sala do primeiro presidente, Fructuoso Rivera, e terminando pelos dias atuais. Um breve giro pela história do Uruguai em aproximadamente duas horas, com folga, olhando tudo sem pressa.

Dois dos presidentes que têm mais destaque no museu, que possuem suas salas próprias, são José Fructuoso Rivera (1784-1854) e Manuel Oribe (1792-1857), respectivamente primeiro e segundo presidentes da República Oriental do Uruguai. (Imaginem só, toquei, parte por parte, o coche oficial do presidente Rivera... Ah, a visita prometia...) Esta crônica pretende apresentá-los melhor, levando em conta a importância histórica que têm, de certa forma até os nossos dias, para a política do país. Explico-me.

A região onde fica o Uruguai foi alvo de disputas constantes. Antes da independência do país, portugueses e espanhóis a disputaram inúmeras vezes. Acontece que chegou um tempo em que a maior parte das próprias colônias portuguesas e espanholas se tornou independente. Depois da independência do Uruguai, declarada em 1830, essa região continuou a ser disputada, mas pela Confederação Argentina e o Império do Brasil, também já independentes, estando ora sob a influência de um desses países, ora sob a influência do outro.

Em 1836 a jovem República Oriental do Uruguai viu dois de seus governantes constitucionais se enfrentarem na batalha de Carpintería. Parte dos combatentes era liderada por seu primeiro presidente, Fructuoso Rivera, e usava braçadeiras vermelhas; a outra parte dos contendores era liderada por seu então presidente, Manuel Oribe (que havia sido ministro da guerra de Fructuoso Rivera), e usava braçadeiras brancas. Terminada a batalha com a vitória dos blancos, estabeleceram-se os partidos que, liderados respectivamente por Rivera e Oribe – seus fundadores -, bipolarizariam a política do país a partir de então: o Partido Colorado (liberal) e o Partido Blanco (conservador). Esse bipartidarismo só seria rompido depois da ditadura militar uruguaia, já no século XXI, com a eleição de Tabaré Vasquez, da coalisão denominada Frente Ampla, autorizada a existir legalmente com a redemocratização do país. Por isso Rivera e Oribe me parecem ter importância até os dias atuais na história política do Uruguai, visto que os partidos que fundaram ainda existem, com determinadas modificações.

Bom, e os gaúchos? O presidente Rivera (pró-Brasil), no poder novamente no Uruguai enquanto se desenrolava a Revolução Farroupilha, opta por auxiliar Bento Gonçalves, presidente da República Rio-Grandense e seu antigo inimigo político. Esse auxílio dura até 1843, Quando a chamada Guerra Grande, já em curso há quatro anos, é definitivamente transferida a Montevidéu, sitiando-se a cidade e acirrando-se de vez os enfrentamentos entre blancos e colorados, que só terminariam em 1851, com a vitória dos colorados e a ruína econômica completa do país.

O presidente Oribe (pró-Argentina)se rende às tropas brasileiras em 1851, com o fim da Guerra Grande – transformada em conflito internacional e só encerrada após muitas intervenções externas -, abandonando a vida política no ano seguinte, depois de tantos intensos combates com os colorados. Informações oficiosas me deram conta de que Manuel Oribe era bonitão e se parecia bastante com o nosso imperador Dom Pedro I, embora não tivesse o mesmo “olhar 43” do brasileiro. Hahahhaa Divertido...

Após visitar todos os outros presidentes uruguaios, deixamos o museu com a cabeça fervilhando de tanta história em um período tão curto de tempo. E quando estávamos na calçada fronteira ao Teatro Solis, o vento gelado de Montevidéu veio nos receber no auge de sua força. Lendo assim parece um exagero, mas a câmera fotográfica em punho, que mirava o teatro, teve de esperar. A força do vento exigia concentração e cuidado, para podermos permanecer nos mesmos lugares onde estávamos. A chuva caía ainda e o vento fustigava com ímpeto. Me preocupei, claro, mas ao mesmo tempo pensei que, presente de última hora, eu não deixaria Montevidéu sem conhecer a chuva e o vento tão afamados. Meu cabelo solto e comprido de brasileira desprevenida me espanava com força o rosto, voando descontrolado em todas as direções. Pensei: “Ah, depois eu enxugo, desembaraço, faço o que tiver de fazer; a cada momento o seu momento”.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Recuerdos Del Paisito: Los Uruguayos

A todo povo sempre são atribuídas algumas características, ora positivas ora negativas, que vão “desenhando” a imagem com a qual os estrangeiros acabam ficando sobre esse povo. Aos brasileiros, por exemplo, no lado positivo, graças a Deus, são atribuídas alegria, cordialidade, musicalidade... Quanto às nossas características negativas, como diria uma personagem de uma série de comédia da televisão, “Prefiro não comentar”. Não por falta do que dizer, mas porque este não seja o momento apropriado. Vamos deixar isso pra lá. Estou escrevendo esta crônica para falar, e bem, dos uruguaios; então, vamos a eles.

Logo que entramos neste ano, ganhei lááá de cima um presente. Um presente-pessoa a quem eu já conhecia, ainda que pouco, há bastante tempo, mas que entrou definitivamente na minha vida como professora de espanhol (uruguaia, vamos dizer para ir costurando direitinho as coisas aqui neste texto). Contudo, hoje, quando revisito este presente a cada semana, é a amiga a quem eu primeiro vejo. Depois, bem devagar, é que vou me lembrando que bem junto da amiga está a professora de espanhol. Antes de conhecer seu país, eu pensava que determinadas características que a faziam admirável aos meus olhos eram dela. Bom, é claro que são, mas depois de ter ido ao Uruguai, percebi que essas características que estreitaram os nossos laços de amizade são dela, porque já a acompanham há muito tempo, vindas de seu próprio povo. o que vou dizer, então, dos uruguaios, a partir daqui, se aplica a ela, inerentemente, porque estar no Uruguai é estar diante dela e vice-versa, numa harmonia perfeita.

Zelo atento – Estávamos lá, três turistas despreocupadas na Praça Cagancha, pleno centro de Montevidéu, tirando fotos; anoitecia. Uma moça perguntou se queríamos que ela tirasse uma foto das três; queríamos, claro. Ela fez a foto enquanto, com o outro olho, observava um rapaz que parecia estar sob o efeito de alguma droga. Nos devolveu as câmeras, olhou para o rapaz, olhou de volta para nós e aconselhou: “Guardem-nas bem; vocês sabem como são as drogas”. Quando terminamos de guardá-las ela se foi. Um uruguaio sairá de onde estiver, parará o que estiver fazendo para vir ao seu encontro se achar que há alguma boa orientação que ele possa lhe dar. Vivenciamos isso algumas vezes.

Sensibilidade - Quando estava na Casa Pueblo, em Punta Ballena, eu quis escolher um azulejo decorado com uma obra de Carlos Páez Vilaró. (Falo mais detidamente sobre a Casa Pueblo e sobre Vilaró outro dia). A vendedora dos azulejos notou minha indecisão, aproximou-se mais, eu percebia que me olhava com interesse genuíno. Hesitou um segundo, procurando palavras como quem vai fazer uma revelação, e disse, com cuidado: “Sabe, a lua está bonita; muito bonita, e é uma das figuras mais representativas na obra de Vilaró. Recorda um período muito intenso em que sua vida e sua produção artística se mesclaram profundamente”. Claro, ela se referia ao acidente em que o artista quase perdeu o filho nos Andes mas nunca deixou de procurá-lo, pois sentia que estava vivo, apesar do descrédito das autoridades que já se anunciava; acidente e procura que viraram livro de sua autoria: Entre Meu Filho E Eu, A Lua. Ela me deixou livre para escolher, mas havia me convencido e a lua de Vilaró veio morar no Brasil. Aliás, muitos vendedores brasileiros deveriam aprender com os uruguaios que as coisas não se empurram para os clientes; as coisas são vendidas, mas quem escolhe sempre precisa ser quem compra. Sempre fomos deixadas à vontade; recebíamos sugestões, detalhes, mas também sempre dávamos a palavra final, e essa palavra era respeitada em todas as ocasiões, fosse ela “sim” ou “não”.

Mas tive depois uma prova literalmente bonita de como são esse zelo atento e essa sensibilidade dos uruguaios. Me refiro a uma cena marcante que presenciei na feira a que fomos no Parque Rodó. Logo que chegamos tivemos a atenção atraída por um senhor que vendia artesanato em madeira. Nos detivemos diante de alguns porta-chaves: havia peixes, sóis, desenhos mais abstratos. Ele pegava cuidadosamente cada uma das peças, limpava-as detidamente com uma escovinha, retirando cada grão de poeira, como se estivesse acariciando delicadamente a alguém muito amado e a colocava no lugar correspondente, para passar à seguinte. Achei tão lindo aquele agir que o artesão tinha para com as suas peças... Perguntei se podia tocá-las e a resposta foi positiva, sorridente e imediata. Enquanto eu ia tocando ele me explicava, com naturalidade absoluta, que “recortava” todos os pedacinhos da madeira da maneira como queria e depois “armava” os desenhos. As explicações, calmas e nas quais tinha evidente prazer, eram as mesmas que daria a qualquer passante. O vendedor das peças de madeira me olhava sem aqueles enormes olhos interrogadores e perplexos que de tempos em tempos me acompanham aqui. Será possível perceber que muitas das experiências descritas neste texto se passaram por causa de um dedinho de prosa. Para os uruguaios, tranquilos como costumam ser, sempre há tempo para conversar, seja entre si, seja com os estrangeiros.

Aliás, no Uruguai ninguém me interrogou nada perplexamente com os olhos; eles apenas me olharam, constataram e seguiram em frente. Um dia, deixamos minha avó, cansada, no hotel e fomos procurar o jantar; procurar o jantar numa casa de chá. Eu queria saber o tamanho de um doce para levar para ela. A moça à minha frente imediatamente juntou os dedos das duas mãos, com total desembaraço, fez o desenho. Colocou-o debaixo das minhas mãos para que eu o tocasse, acompanhando-o com uma descrição do exterior, do recheio, da receita, de tudo, detalhes que eu nem precisei pedir. Levei o doce, claro, impressionada com a espontaneidade e prontidão dela.

Afetividade cálida – no hotel onde ficamos havia um recepcionista muito simpático: ele cumprimentava, abria a porta do elevador e assim a mantinha até que todas entrássemos, respondia as perguntas sempre com alguma informação complementar, não hesitava em ir pessoalmente ver o que acontecia se necessário, falava portunhol, comigo falava espanhol e não economizava no vocabulário, gostava de me testar; fazia o que podia por todos os hóspedes. Ele realmente se desdobrava; era notório que apreciava muito aquilo que fazia. Assim, sempre que chegávamos ou saíamos, a torcida era para encontrar o Edimundo no balcão.

Amabilidade solícita – Quando chegávamos a algum lugar e precisávamos descer do ônibus, Elisa, a guia turística, ou Luiz, o motorista, estavam sempre à porta para me estender a mão, indicando o fim dos degraus e a direção a ser tomada. Tudo feito como se fosse parte do cotidiano deles todos os dias. Na maior parte das vezes, quem estava era Elisa, que adicionalmente me conduzia à calçada com hagilidade e ficava comigo esperando até que minha avó e Carol chegassem. No segundo dia de viagem, quando chegamos, ela havia tido a delicadeza de nos guardar os acentos da frente. Percebi também que, no dia anterior, havia dois falantes de inglês, que ela pôs na fileira contígua à sua. Algumas vezes a notei olhando-os com atenção, como a certificar-se de que não tinham dúvidas e de que ela podia prosseguir.

Gentileza a toda prova – Sempre que fazíamos algum pedido, qualquer que fosse, as respostas recorrentes eram: “Sim”, “claro”, “por favor”... E quando agradecíamos por algo, a resposta mais recorrente não era “de nada”; era “não, por favor”!, como a salientar que não havia necessidade nenhuma de agradecer.

Sobriedade alegre – Na feira comprei uma echarpe. Bonita, mas mesclava tons de preto, cinza, marrom, para mim pouco habituais. Foi o único dia em que saí sem aquele acessório indispensável no ventinho frio da cidade. O vendedor a pôs sobre minha blusa rosa e disse que ficava muito bem; se mostrou encantado com o meu espanhol. Parecia que redobrava sua alegria por estar falando com uma brasileira em espanhol. “Os brasileiros estão acostumados a usar muitas cores. Gostamos disso, embora o comum para nós sejam as cores mais clássicas. Com esse seu rosa vai ficar muito bom”! E ficou mesmo.

E as crianças uruguaias, como são? Bom, essas são todas iguais, existem as quietinhas e as espoletas em qualquer lugar do mundo. Sentada no parque, eu ouvia de uma mãe que passava: “para, você já me falou isso duzentas vezes”! De outra eu escutava: “Dá a mão”! E uma terceira trouxe aos meus ouvidos um “Vem aqui”! exasperado. Aí, quando você começa a entender as broncas que as mães dão nos filhos, passa também a acreditar, mesmo, que o seu desempenho na língua estrangeira está ficando realmente bom!

Enfim, voltei, e não só eu, agradavelmente impressionada e de certa maneira marcada pela suavidade alegre dos uruguaios.

sábado, 13 de setembro de 2014

Recuerdos Del Paisito: La Música


Assim que pus os pés no Uruguai pensei que escutaria muita música tradicional do país, mas isso não aconteceu tão imediatamente. Contudo, essa parte da conversa fica para uma crônica posterior. O que posso dizer é que, há uns dois anos mais ou menos, uma amiga pianista me disse: “Você precisa ir ao Uruguai, ouvir a musicalidade de lá e como é linda a predominância do piano em relação aos outros instrumentos, escutando tudo ser executado ali, na sua frente. É algo maravilhoso para nós, que tocamos”. Posteriormente, outros eventos foram se sucedendo e me encaminhando ao Uruguai, até que consegui concretizar isso.

Em busca, então, de conhecer a tão proclamada musicalidade uruguaia, fui a um espetáculo só para isso, em uma casa de shows muito bonita, El Milongón. A noite de música foi dividida em três blocos que, sucedendo-se de maneira bem definida, deram um panorama geral e de certo modo cronológico de como se formou e desenvolveu a musicalidade uruguaia, representados os seus momentos por grupos distintos de músicos e dançarinos, que traziam ao palco o que havia de melhor na manifestação musical específica a que se dedicavam. Vou descrever aqui cada um desses blocos, com um pouco do que ouvi, mas também, como não poderia deixar de ser, com algumas impressões próprias. Só advirto desde já que, para mim, fez falta no show a parte da milonga.

Iniciamos pelo componente folclórico, introduzidos à musicalidade gaúcha. Os gaúchos tocavam tambores, animicamente, recordando algo de influência indígena na musicalidade platina. Tocavam e dançavam, acompanhando com movimentos enérgicos, sincronizados, muito sonoros e bem ritmados de pés e palmas a cadência ancestral e bem marcada dos tambores. As coreografias mostravam, ora, as rivalidades entre os homens, provocando-se mutuamente, Ora ilustravam suas disputas pelas mulheres.

Em um segundo momento, ainda dentro da musicalidade gaúcha, o violão passou a entoar uma melodia melancólica, em tons menores, que para os meus ouvidos era uma guarânia ou algo parecido. Não sei dizer por que, mas desde que me conheço por gente, quando ouço os primeiros acordes lamentosos de alguma guarânia, me vem à mente algo de luar, de noite enluarada... Deve ser alguma lembrança infantil muito vaga, alguma história, um momento qualquer, que jamais vou identificar. A única coisa que sei é que, uma vez mais, essa lembrança veio me visitar, no Milongón.

Sucedendo-se à música gaúcha, foi chamado ao palco, com sua dramaticidade imponente, o señor Tango. Surgido a ambas as margens do Prata,em Rosário, Buenos Aires e Montevidéu, primeiramente foi ritmo restrito às zonas e cabarés, executado pelo violão e instrumentos de sopro. Incorporado o bandulión, de origem alemã, essa música dolente derivada da habanera cubana e do tango espanhol ganhou um toque de glamur, sem perder a sensualidade voluptuosa que primeiro a caracterizou.

Os tangos sempre me acompanharam. Meu avô me trouxe desde cedo essa influência, herdada de suas andanças platinas, quando montava máquinas. Foi emocionante demais ouvir aqueles tangos que ele cantarolava estalando os dedos e batendo os chinelos, cujos movimentos faziam tilintar a pulseira metálica do relógio, os tangos com os quais eu cresci, sendo tocados ali, no palco, a poucos passos de mim; ouvir o bandulión sendo aberto e fechado, enchendo-se e esvaziando-se o fole; ouvir ser libertada do piano aquela torrente de notas melodiosas, brilhantes e luzidias, enquanto os acordes, ora cheios, graves e possantes, ora suaves e discretos, esboçavam marcadamente dramas, saudades, amores, fracassos... E Elisa, a minha amiga pianista do começo desta crônica, tinha razão, em absoluto. O paraíso dos pianistas amantes do tango e da milonga, sem efeitos especiais, ali, na raça, é Montevidéu!

Para fechar a noite, uma manifestação musical uruguaia pouco conhecida dos brasileiros, o candombe. Manifestação originada como meio de comunicação, com a chegada dos escravos bantús ao Uruguai (da mesma região africana da qual foram trazidos escravos ao Brasil), o candombe é executado em conjunto por três tambores distintos: tambor chico, tambor repique e tambor piano, cada um com seu timbre particular, cuja junção, agrupadamente, se denomina cuerda. No Milongón assistimos à comparsa campeã do último carnaval uruguaio. O candombero que cantava, acompanhado pelos tamborileros e estimulando-os também a tocar, era parecidíssimo com o nosso Jair Rodrigues, em fisionomia, voz e expressões. As letras que cantava eram de uma jocosidade graciosa. Quando tocavam apenas os tambores, organizados em sua métrica nem sempre constante, recordavam algo dos tambores da Bahia. Quando passavam a ser acompanhados pelos acordes do piano, a musicalidade do candombe ganhava um toque caribenho.

E assim, nesse dia, consegui o que eu primeiro buscava: terminar a viagem me sentindo transbordante de Uruguai!

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Recuerdos Del Paisito: La Culinaria

Para definir em poucas palavras, no que diz respeito ao paladar, o Uruguai é um país onde, inegavelmente, se come bem; muito bem. Em se tratando dos pratos principais, a culinária uruguaia é composta predominantemente por receitas à base de carne de vaca, o que não surpreende, visto que o país tem 3,5 milhões de habitantes e cerca de 12 milhões de cabeças de gado. Contudo, cordeiro, frango e peixe também tèm lugar garantido, já que são por volta de 10 milhões as ovelhas e que o país, a Oeste, é banhado pelo Rio Uruguai, a Sudoeste está o estuário do Rio da Prata e a Sudeste o Oceano Atlântico. As batatas, principalmente fritas, também estão sempre presentes como acompanhamento, assim como as saladas.

O prato mais representativo da culinária do país é a parrillada, uma verdadeira tentação para os carnívoros de plantão: em uma grelha vertical com alguma inclinação, a parrilla, as carnes vão sendo assadas e esse processo pode ser observado. Normalmente estão presentes a carne, claro, o frango, a salsicha, a linguiça, a morcilla e também rins, que recebem o nome de chinchulín. O costume é que se consumam as carnes menos bem-passadas, mas isso pode ser conversado, bem como a troca de um item por um pouco mais de outro. No meu caso, troquei o chinchulín por mais carne; faltou coragem...

Algo que achei muito saboroso foi o chivito, um sanduíche que, em sua versão mais comum, leva pão de hambúrguer, carne, alface, tomate, queijo, ovo e maionese e vem acompanhado por uma porção de batatas fritas. Mas há outras versões com recheios variados. A maciez da carne é uma peculiaridade que poucas vezes vi aqui dessa forma. Me disseram que, pelo fato de o país ser predominantemente plano, o gado não precisa despender tanto esforço físico, estando, assim, mais relaxado, refletindo-se isso na textura da carne. Os brasileiros que me acompanhavam costumavam dizer que a sensação de cortar a carne no Uruguai era muito parecida com a sensação de cortar um pedaço de queijo. Para mim, que não sou carnívora por excelência e comi chivitos clássicos até não poder mais, a explicação faz todo o sentido. O sabor da carne uruguaia também é algo difícil de descrever, na melhor acepção da palavra. Creio que o chivito é um dos pratos dos quais mais vou sentir falta... Hummmm!!!

Ainda na seção sanduíches, o cachorro-quente, pancho no Uruguai, é bom também, embora menor e com menos ingredientes do que os que costumo ver aqui. Simples, mas classifico esse como um daqueles casos em que menos é mais: pão, salsicha, batata-palha, catchup, mostarda, maionese... Para mim, que pertenço à geração sanduíche-coca-cola, era algo impossível de perder.

Outro capítulo na culinária do Uruguai são as massas, sempre muito boas. Dada a grande presença de imigrantes no Uruguai desde o início de sua existência independente como país, creio, olhando os cardápios, que uma das maiores presenças imigrantes lá seja de italianos, porque é grande a quantidade e variedade de receitas de massa. Nem comento muito... Ai ai!!...

Uma curiosidade que segue uma tendência mundial depois das mais recentes descobertas científicas sobre os malefícios do sódio em excessso: está regulamentado por lei o não uso do sal, inclusive com campanhas publicitárias incentivando os uruguaios a diminuir ou cortar seu consumo. No entanto, os saleiros estão sempre à mesa, para suprir a falta que esse condimento faz a algumas pessoas.

Em se falando de bebidas, o mate, bebida por excelência dos gaúchos, ou melhor, dos gauchos, é consumido com a mesma espontaneidade e casualidade com que o cafezinho é consumido no Brasil. Estejam os uruguaios onde estiverem, façam o que fizerem, o mate os acompanha sempre. Nos mercados, é grande a profusão de marcas de erva-mate; muitas são as cuias, as bombas... De repente, você está passando por algum lugar na cidade e vê lá um quiosque onde se pode ferver a água, adquirir erva-mate, cuia, bomba, tudo o que seja necessário para que perdure sempre esse verdadeiro ritual de congraçamento entre o gaúcho e o mate.

E por falar em café... Bom, esse é um tópico difícil. Café no Uruguai é uma questão de sorte. Nos primeiros dias tive pouca; café aguado, fraco para o paladar brasileiro. Então comecei a estar mais atenta e descobri que, para tomar um bom café no Uruguai, é preciso ter o olfato sempre alerta. Se você chegar a um lugar e for recebido pelo aroma de café antes que qualquer pessoa note sua presença, então, vá em frente; satisfação garantida. Outra satisfação garantida naquele friozinho persistente é o chocolate quente; esse, imperdível em todos os lugares.

Uma bebida que merece destaque no Uruguai depois do mate é o vinho. Não sou o que se pode chamar de uma bebedora contumaz, mas assim mesmo creio estar fazendo uma boa indicação, não só pelo fato de que um dos passeios possíveis de ser feito é pela rota uruguaia do vinho, mas também por outro ponto curioso: em qualquer lugar onde houvesse um rádio ligado, um ouvinte atento poderia perceber a presença constante de propagandas de vinhos, de vinículas, de lugares que personalizam vinhos...O vinho que experimentei é o medio y medio, bebida típica uruguaia muito servida para acompanhar as carnes. Não sei como é feita a mistura, mas ela tem 50% de vinho e 50% de champanhe, uma combinação que resulta em um sabor particular, agradável ao paladar; por isso o nome da bebida: meio e meio. Muuuuuito bom!!!

E, por fim, os doces... Ah, os doces!... Difícil escolher qual é melhor do que o outro. Alfajores de todos os tipos: com doce-de-leite, com geleia, recobertos por chocolate ou não, com coco... Enfim, complicado saber qual o melhor. Muito gostosos também os suspiros, que aprendemos a conhecer como merengues, a mesma excelência valendo para o amendoim-doce. E os churros??? Essa é para quem cresceu assistindo ao Chaves: no quiosque, me senti como a turma do Chaves comendo churros: com chocolate (e não esse chocolate extremamente adocicado que temos aqui), com doce-de-leite e, acreditem se quiserem, mais comuns do que se imagina, sem recheio. Fiquei pasmada com a quantidade de pessoas que pedia churros sem recheio.

Deixei por último o croissant ou media luna, pelo fato de ela ser um dos pratos uruguaios presentes tanto entre as comidas salgadas como entre as sobremesas. Recheada com presunto e queijo, coberta por açúcar ou simplesmente sem recheio nem cobertura, era bastante comum ver alguém com uma media luna na mão, inclusive nós.

Ufa! Do que experimentamos, creio que não me esqueci de nada. Para quem estiver lendo, bom apetite!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Recuerdos Del Paisito: Las Ramblas

Montevidéu tem 25 quilômetros de orla, oito praias de água doce, sim, doce! Trata-se do estuário gelado do Rio da Prata. E quando digo gelado, falo de um gelado que não muitas vezes conhecemos aqui no Brasil quando vamos à praia. Durante toda a viagem ouvi muito sobre como são bonitos os prédios na orla, como ela é bem-cuidada, como é seguro estar lá etc. etc. etc.. Contudo, as recordações que guardo da praia em Montevidéu são bastante particulares.

Fazia um dia, ou melhor, uma tarde bonita quando chegamos, um pouco depois do almoço, aquele friozinho com sol que eu havia aprendido a conhecer no Uruguai. Terminei de descer a escada e pisei a areia, fofa! Sempre gostei de brincar na areia fofa da praia; comecei instantaneamente a recordar minha infância, de tantas idas à praia com a família, principalmente com os meus avós. Meu avô me punha numa área livre da praia e dizia: “Corre”! E eu corria, ia, voltava... Sabia que a partir do momento em que ele me dizia isso, nada iria me atrapalhar; todo o cuidado já havia sido tomado. Era uma sensação incrível de liberdade, de poder estar sozinha e andar sozinha, algo que na cidade eu raramente experimento.

Quando pisei a praia de areia fofa em Montevidéu, essa recordação imediatamente me veio à cabeça. O vento no rosto era semelhante, embora um pouco mais frio, espanando não com tanta gentileza os meus cabelos em todas as direções sem que eu me preocupasse, tudo como antes. Essas coisas todas eu pensei, mas não disse. Claro que também não corri, mas não resisti a dar umas belas patinadas na areia!...

Uma amiga me dizia enquanto andávamos: “Olha, uma duna! Duas! Três”! E eu ali, toda encapotada, de botas, pensando: “Que coisa mais chata a gente estar tão coberta da cabeça aos pés na praia"... Mas não havia outro jeito. Eu pensava nisso, já sabendo de antemão que não resistiria à vontade de pôr pelo menos a mão na água, que certamente estaria fria e na qual não havia ninguém, mas que eu não deixaria de experimentar.

Andamos em frente, pela areia fina, fofa, branca e luminosa, pensando que, se não havia sal, como ela podia brilhar tão intensamente daquele jeito?... Comecei a ouvir o barulho da água se aproximando e tive a certeza de que eu não me comportaria tão bem por muito mais tempo. O salto da bota tocou a areia que começava a ficar molhada e consistente e continuamos alguns poucos passos. Me abaixei, toquei o chão que a água apenas roçava e mal se fazia sentir mesclada à areia e percebi que aquilo, para mim, não seria suficiente. Deixei uma sacola com alguns objetos, dizendo à minha amiga que já voltava. Fingindo que não ouvia a censura nas palavras dela, caminhei sozinha mais alguns passos para dentro do Rio-Mar da Prata, não muitos.

Ali já havia um pouco mais de água. Me contentei, resignada, e abaixei, segurando com uma mão a bolsinha com alguns pertences pessoais e tocando a água com a outra. Uma onda veio e revolveu a areia, afundando os meus saltos e me desestabilizando um pouco. Ergui firme a bolsinha e pensei: “Bom, o máximo que pode acontecer é eu levar um tombo de frente nessa água gelada e voltar molhada pro hotel; ta valendo”! No entanto, nada aconteceu. A onda voltou ao mar e devolveu a areia ao lugar onde estava antes, libertando os meus pés. Me abaixei com mais interesse e segurança, tocando irremediavelmente a água e tive uma grata surpresa: uma conchinha.

Nossa, sempre me surpreendi com as conchas; agora eu tinha na mão uma conchinha de Montevidéu... Que máximo! Comecei a esperar que as ondas escuras, calmas e geladas trouxessem outras conchas e a lavar aquelas que recolhia, todas brancas ou quase brancas e todas pequenas, do mesmo tamanho.... Sempre a vastidão do mar me trouxe um sentimento de interrogação. Eu tocava a água que sentia densa e gelada, recolhia e lavava as conchinhas e percebia de novo aquele velho sentimento crescer, ouvindo o barulho manso das ondas.

Mas infelizmente era preciso ir. Me levantei, girei nos passos e comecei a fazer o caminho de volta, recolhendo, no entanto, conchinhas da areia, que batíamos e se limpavam facilmente, iguaizinhas às que vieram do mar. Creio que devo ter passado naquela praia cerca de meia hora. Porém, nunca pensei que em metade de uma hora coubessem tantas sensações, tantos sentimentos, enfim, tantas coisas. Mas quando sabemos que estamos em um lugar ao qual possivelmente só iremos uma única vez, tudo se potencializa e intensifica.

Subi as escadas para sair e foi como se o tempo, esquecido de passar, voltasse a correr. Os carros e pedestres, o som do espanhol tranquilo que ia e vinha como o mar me lembraram que a vida continuava lá fora. Então segui sem me voltar, me preparando para o novo, que certamente viria depois...

sábado, 6 de setembro de 2014

Recuerdos Del Paisito: Montevideo

A primeira impressão que tive quando comecei a percorrer Montevidéu a pé, tocando a parede antiga e rústica que restou daquela que antes fora uma cidade amuralhada, foi de que eu havia sido transportada magicamente aos tempos coloniais. Forte militar e porto natural, San Felipe y Santiago de Montevideo foi edificada por Bruno Mauricio de Zabala, em dezembro de 1726, para deter o avanço dos portugueses, que já haviam fundado à margem esquerda do Rio da Prata, ainda no século anterior, a cidade de Colônia do Santíssimo Sacramento e prosperavam, com pretensões de expandir seus domínios em terras do rei da Espanha e, assim, minerar e traficar por intermédio ddeste rio.

Sendo este monte o sexto que se poderia ver navegando a costa do Rio da Prata de Leste a Oeste, segundo relatos da época da fundação da cidade, academicamente sustenta-se que a origem do nome Montevideo – Monte-VI-D-E-O – seria: Monte VI de Leste a Oeste. No entanto, há também outras explicações mais controvertidas, sejam elas espontâneas, religiosas ou documentais. Contudo, nenhuma dessas explicações conta com provas realmente contundentes que possam sustentá-la em detrimento das demais.

Esta se propõe a ser uma visão mais geral da capital uruguaia, ficando suas particularidades mais marcantes para as próximas crônicas. Creio que o olhar desta cronista sobre a cidade parecerá distinto à maioria dos leitores, visto que irá descrevê-la do ponto de vista de alguém que não vê, levando, assim, em conta, detalhes que normalmente não são percebidos por aqueles que olham.

Montevidéu é uma cidade plana. Não é perfeita em termos de acessibilidade arquitetônica, como de resto poucas cidades são, mas suas dificuldades de acessibilidade, fisicamente falando, são menores frente a todas as cidades brasileiras que conheço. São pouco numerosas as irregularidades no pavimento, se bem que existam, claro, e as rampas para cadeirantes, pelas quais fiz questão de passar para verificar empiricamente, me pareceram todas bem construídas e com inclinação adequada.

No que toca às atitudes, uma muito grata surpresa: as pessoas, de modo geral, lidaram comigo, não só em Montevidéu mas nas outras cidades uruguaias onde estive, com naturalidade e espontaneidade, deixando-me tocar o que era necessário e mostrando-me concretamente, sem reservas, com o uso de seus corpos ou mãos, de objetos ou de demonstrações por meio de meu próprio corpo, o que havia para ser concretizado. Quando me lembro de tantas vezes nas quais já fui impedida de tocar objetos e lugares aqui no Brasil, seja em lojas, seja em museus, seja onde for, inclusive com as pessoas me dizendo que se eu tocasse determinado monumento a segurança me repreenderia ou prejudicaria o monitor, penso que, em se tratando de como lidar com pessoas com deficiência, em Montevidéu estive no melhor dos mundos. Porque é engraçado: tudo indica que aqui no Brasil, por exemplo, os cegos não consomem, não precisam ter acesso à cultura. Muitos olhares tortos, fiscalizadores e penalizados que tive aqui desde que me conheço por gente, e que percebo mesmo que se pense o contrário, lá, não tive em momento algum.

Para aqueles que me leem com olhos de ver registro, na paisagem da cidade, primeiro, seus grandes plátanos, e depois seus eucaliptos. Ainda posso mencionar suas muitas praças, parques e áreas verdes; capital com matizes de cidade do interior. Em seus 25 quilômetros de orla murada e bem pavimentada, os montevideanos praticam esportes, passeiam com os cachorros – muitos! Mas dificilmente estão sozinhos – brincam com as crianças ou simplesmente descansam.

No que tange à conservação, há, sim, claro, imóveis históricos, por exemplo, que necessitariam ser restaurados, como aqui. No entanto, o cuidado com o patrimônio me parece maior, outra lição que poderíamos ao menos começar a aprender.

Mais um ponto positivo a destacar parece ser a maior prudência no trânsito. Se os semáforos estão vermelhos para quem anda a pé, o pedestre aciona um botão. Eles ficam verdes, os carros param tão logo avistam a mudança e se pode atravessar as ruas com tranquilidade. Poucas foram as motos que vi, ou seja, nada de motoqueiros costurando o caminho entre os carros e amedrontando até mesmo os pedestres mais alerta. Algo curioso ao se transitar pelas calçadas: é como se houvesse uma linha imaginária vertical que dividisse a calçada em duas partes, uma para os pedestres que vão e outra para aqueles que vêm. Acredite-se ou não: essa linha traçada no imaginário coletivo dos montevideanos é impreterivelmente respeitada.

Os táxis, fechados na parte de trás, em que se vê o motorista através de vidros, me pareceram meio claustrofóbicos; na verdade me senti meio enjaulada neles – agora uma lembrança divertida -, mas compreendo que essa seja uma precaução que até poderia ajudar os taxistas brasileiros no que se relaciona aos assaltos a táxis, que têm se tornado cada vez mais frequentes aqui. Uma prática que creio seja comum aqui e lá são os atravessadores. No shopping Punta Carretas, por exemplo, que por sinal fica longe do centro, se você desejar pegar um táxi para voltar ao hotel, antes de pagar ao motorista, que está fazendo seu trabalho como deve, prepare-se para molhar com alguns pesos a mão do atravessador, que no meu caso foi um rapaz bem aparentado, com os cinco sentidos perfeitos e inegavelmente apto para fazer parte da população economicamente ativa do Uruguai... Mas vai ver que a exploração do turismo seja bastante mais rentável que o trabalho mensal, não é? Vá se saber... Por outro lado, não convem esquecer que todos os lugares, assim como tudo na vida, têm seus pontos positivos e negativos. Este é o ponto negativo que tenho para destacar na cidade.

O que me fica da capital uruguaia, para dizer em linhas bem gerais, é uma mescla entre o tradicional e o moderno; um olhar para a frente sem esquecer as origens de tudo. Gosto disso, faz a gente se repensar e se reencontrar no mundo...