“Senhores, os bons trovadores de antanho, Béroul e Thomas, e monsenhor Eilhart e mestre Gottfried, narram este conto para todos os que amam, não
para os outros. Transmitem-vos por meu intermédio sua saudação. Cumprimentam os que são sonhadores e os que são felizes, os descontentes e os apaixonados,
os que estão alegres e os que estão perturbados, todos os amantes. Que possam encontrar aqui consolo contra a inconstância, contra a injustiça, contra
o despeito, contra a aflição, contra todos os males de amor”! (J. Bédier).
Contada e recontada muitas vezes, a lenda medieval do romance entre sir Tristão de Loonois e Isolda, a Loura, princesa irlandesa que viria a ser a rainha das Cornualhas – onde se passa a história -, tem seus primeiros registros poéticos escritos datados no século X, por vários trovadores anglo-franceses, sendo efetivamente desconhecida sua real autoria. Nessa época as línguas vernáculas europeias estavam em formação, vigorando os chamados romances, e as fronteiras entre os países ainda não estavam bem definidas, sendo muito comuns as guerras ensejadas por disputas territoriais entre os então vários reinados existentes.
A versão ora em questão foi composta pelo escritor, filólogo e estudioso da literatura francesa medieval Joseph Bédier (1864-1938), editada no Brasil pela Martins Fontes. A atmosfera medieval é mantida e mostrada de maneira relevante, a cada momento revelando os matizes das cantigas de amigo, que primeiro devem tê-la registrado, os cavaleiros com suas lorigas, elmos, lanças, espadas, clavas e flechas e as damas com seus vestidos finos e ricamente bordados e adornados de pedrarias são presença constante. Os servos, mensageiros e traidores fazem, também, por sua vez, a história desenrolar-se.
Ainda jovem, o cavaleiro Tristão é raptado por mercadores irlandeses e deixado nas praias das Cornualhas, terras do rei Marc, seu tio; no entanto, por bastante tempo, ambos desconhecem esse parentesco, embora se queiram com ternura infinita desde o primeiro momento em que se encontram. Certo dia chega o gigante Morholt, da Irlanda, para cobrar impostos ao rei Marc. Esse pagamento consistia em que lhe fossem entregues jovens do reino, a não ser que alguém o vencesse em combate. Todos os barões de Marc regeitam o combate, a não ser Tristão, que derrota o gigante, mas fica mortalmente ferido e pede ao tio que o deixe morrer ao mar, em uma nau sem velas, acompanhado apenas por sua harpa, segundo o costume antigo que se pode já depreender da leitura do épico anônimo Bewolf. Milagrosamente, o mar o conduz às terras irlandesas. Detentoras dos antigos conhecimentos celtas sobre magia e poções, perfeitamente familiares àqueles que sejam leitores vorazes das proezas ocorridas no universo mágico e místico de Avalon, Isolda, a loura, e a rainha, sua mãe, curam Tristão dos ferimentos e ele volta para o tio sem ser reconhecido como o assassino do Morholt.
O rei Marc deseja deixar todo seu reinado ao sobrinho. No entanto, quatro barões traidores, que se encarregarão de tecer intrigas durante o transcurso de todo o enredo, o induzem a casar-se. Marc, então, os informa de que se casará apenas com a dona do fio de cabelo de ouro que os pássaros lhe trouxeram. Lembrando-se de Isolda, a loura, Tristão, arriscando-se a ser reconhecido e morto, regressa à Irlanda para buscá-la, a fim de que se case com o rei. Porém, o destino os atraiçoa. A mãe de Isolda entrega a sua serva e companheira, Brangien, a fiel, um filtro que deve ser servido apenas a Isolda e ao rei Marc, na noite de núpcias, para que o bebam juntos, pois os que dele se servirem haverão de amar-se com todos os sentidos e pensamentos, na vida e na morte. Por engano, Isolda e Tristão o bebem juntos para aplacar o calor e, a partir desse momento, passam a amar-se com todos os seus sentidos e pensamentos e se entregam um ao outro desesperadamente, até o fim da viagem.
Chegados às Cornualhas, Isolda casa-se com o rei Marc, tornando-se a rainha de seu país, mas os amantes não podem deixar-se, até que são flagrados por ele que, amando Isolda verdadeiramente e ferido pela deslealdade das duas pessoas a quem mais queria no mundo, decide matá-los sem julgamento, na fogueira, embora Tristão jure jamais ter amado Isolda com amor culpável e vice-versa. Tristão consegue fugir e é salvo por Deus. Tomado pela cólera, Marc considera que a morte rápida é pouco para punir Isolda e decide entregá-la a seus leprosos, para que seja de todos eles. Ao ver a turba que a conduz, Tristão consegue matar seu captor, reaver a rainha e fugir com ela para a floresta densa, onde se escondem e se amam por muito tempo... Um amor, uma cabana...
Descobertos pelo rei, seu precioso sobrinho e a amada de seu coração são perdoados. Tristão entrega-lhe Isolda e parte, levando seu anel de jaspe verde e deixando-lhe seu leal cão, Husdent.
Forçada pelos barões, Isolda deve fazer o juramento do ferro em brasa e manda mensagem a Tristão para que venha em seu socorro vestido de peregrino. Chegados à charneca branca onde o juramento aconteceria, Isolda ordena que o peregrino miserável à margem do rio venha buscá-la e a tome nos braços, para chegar ao outro lado sem enlamear-se. Tristão a obedece. Então, diante dos reis Marc e Arthur, Isolda jura que nenhum homem jamais a teve nos braços, a não ser seu marido, Marc, e o peregrino miserável estendido na areia diante de todos os presentes. Proferindo esse juramento, toma o ferro em brasa e permanece com as mãos ilesas depois de soltá-lo. Os barões se convencem de sua inocência e Tristão parte para a Bretanha.
Lá chegando, vence uma guerra que já durava anos e recebe como recompensa a mão da filha do rei, Isolda, das brancas mãos. Julgando-se esquecido por Isolda, a loura, aceita o casamento, mas é incapaz de consumá-lo, uma vez que não consegue deixar de pensar na amada. Torturado, volta às Cornualhas e, encoberto por variados estratagemas, consegue rever Isolda, a loura, e amá-la pela última vez. Regressando à Bretanha, é ferido mortalmente em combate. Ao saber disso, Isolda, a loura, foge pelos mares para revê-lo e curá-lo. Contudo, consumida pela vingança, Isolda, das brancas mãos, diz a Tristão que a nau que retorna tem uma vela negra enfunada. Esse era o sinal combinado caso Isolda, a loura, não concordasse em vir vê-lo. Fulminado pelo desgosto, Tristão expira. Ao chegar e vê-lo morto, Isolda, a loura, cola-se a ele, e morre também, enquanto Isolda, das brancas mãos, se consome em agonia pelo mal que causara. Ao saber da desventura dos amantes, o rei Marc vai buscar seus corpos e os enterra separados por uma capela. No entanto, à noite, cresce do túmulo de Tristão um espinheiro verde que sobe pela igrejinha até descansar no túmulo de Isolda, a loura. Por três vezes é cortado e por três vezes renasce, cresce e volta para o regaço da rainha. Ao ter conhecimento disso, o rei Marc ordena que os amantes sejam deixados em paz.
O romance de Tristão e Isolda foi a fonte em que beberam vários autores e contadores de outras histórias de amor e morte, como Romeu e Julieta, de Shakespeare e a história real de Pedro, rei de Portugal e de Inês de Castro, coroada sua rainha depois de morta, perpetuada nos Lusíadas, de Camões. Muito mais do que o amor e a morte, os grandes dons que nos oferece o romance de Tristão e Isolda são a perseverança e a fé.
Muito bommm
ResponderExcluircarol