Recentemente eu conversava com uma amiga muito querida, dessas com as quais a gente pode se dar ao raríssimo luxo de sentar para falar sobre as pequenas grandes coisas da vida, aquelas que têm tanto valor e às quais dificilmente alguém presta atenção. Conversávamos sobre as respostas de Deus, sobre como ele nos envia os sinais certos nos momentos em que precisamos saber qual o caminho a seguir. Comentei, então, sobre a história que segue, algo que realmente me aconteceu e que, certa vez, publiquei na forma da seguinte crônica, no blog de uns amigos onde eu costumava escrever. Levada por essa conversa e rememorando tal acontecimento, a um só tempo tão singelo e tão sublime, republico agora a crônica aqui neste espaço e a compartilho novamente com vocês. Aos que por acaso já a leram, espero que curtam reler. Aos que ainda não a leram, saibam e lembrem-se que Deus sempre tem uma resposta, e essa sempre é a resposta certa. Vou me lembrar disso também...
Dádiva: segundo o dicionário, palavra advinda da milenar e melodiosa língua latina, é aquilo que se dá espontaneamente a alguém, aquilo que se doa por livre vontade, sem que se espere algo em troca do presente. Pois bem, hoje pela manhã (9 de fevereiro) recebi um presente desses, e não foi de ninguém aqui da Terra não; foi mesmo de lá de cima... Eu explico.
Por causa desse calor intenso que estamos tendo, têm aparecido alguns insetos aqui em casa, que vão entrando pelas janelas abertas e se instalando pela casa toda, como acontece todos os anos por essa época e temperaturas por aqui. Dessa forma nos apareceu uma borboleta amarelo-acinzentada, de tamanho mediano, que ficou esvoaçando uns três dias por todos os lugares, quando menos se esperava, pousando nos livros, nos móveis, nas paredes, nas pessoas.
Observando-a pelos sons que emitia durante o vôo e conversando com minha avó, comentei que desejaria muito ver / tocar uma borboleta de verdade – não apenas uma reprodução em algum tipo de relevo -, já que nunca pude fazê-lo, contentando-me com contornos e descrições subjetivas, mas que, para que isso se realizasse, essa borboleta precisaria estar morta, uma vez que minha fobia por bichos e minha aflição pelo ruído daquelas asas não me permitiriam pegá-la, até mesmo sob risco de esfacelá-la com o mais mínimo movimento. Então, cogitamos que a saída para mim seria encontrar uma borboleta conservada, por exemplo, em algum museu; plano para um futuro talvez nem tão próximo. Assim pensando, intimamente pedi a Deus que um dia, se fosse possível e de seu agrado, me defrontasse com um desses insetos tão presentes no nosso imaginário; pedi, mesmo considerando a aparente insignificância e falta de nexo do pedido. Se era mesmo verdade que ele tudo via, tudo podia e tudo sabia, estando em todos os lugares, certamente iria me entender.
Com esses pensamentos, fui dar aulas ontem à tarde; tenho um espaço aqui em casa para isso. E de repente, durante a aula, eis que surge a famigerada borboleta – presença já de alguns dias -, e pousa no chão, ao lado da mesa. Não perto, mas ao lado. Terminei uma aula, comecei outra, terminei e me esqueci da borboleta, da conversa anterior com minha avó, de tudo enfim.
Hoje logo pela manhã, encontro minha avó na sala das aulas, sentada, bordando. Entro e ela me diz que a borboleta morrera, que estava lá, na mesma posição, desde ontem. Lamentei pelo fim da vida dela como sempre lamento pelo fim de qualquer vida, mas quase imediatamente pensei em pegá-la e comuniquei que o faria; eu não podia deixar essa oportunidade passar!... Nunca tivera uma igual, talvez jamais tivesse outra.
Me abaixei e toquei a borboleta. Fiquei surpresa ao primeiro contato. Ela estava ali: fina como uma folha do mais frágil papel, imóvel, delicada, com os pares de asas fechados. Tomei fôlego e coragem, coloquei-a cuidadosamente na palma da mão direita e me levantei, pousando-a sobre a mesa e abrindo suas asas com extrema cautela e a ajuda da minha avó, que logo confessou, também interessada, que nunca em sua vida havia visto uma borboleta assim de tão perto. O som era de uma folha seca, e também aquelas nervuras do corpo da borboleta me faziam lembrar uma grande folha dessas que caem das árvores e estalam quando a gente passa. Mas as asas abertas, para mim, lembravam uma flor recém-desabrochada, mesmo sabendo que, em verdade, a criatura já estava definitivamente morta. Asas abertas, minha avó me mostrou a borboleta em posição de vôo, o corpo estreito e comprido, as antenas... E assim eu a tinha, na palma da mão, a borboleta que, até o dia anterior, era só um singelo sonho distante mas que, no entanto, agora vinha ao meu encontro, em um dos locais mais meus em toda a casa.
Por isso hoje considero que recebi uma dádiva daquele que, de fato, pode, sabe, vê e se faz presente, conhecendo aquilo que temos, sentimos e somos de mais íntimo e nos atendendo na medida certa dos nossos merecimentos. Só me desgosta que a borboleta tenha precisado morrer para que eu tivesse um momento de revelação, de epifania, de vida que foi mais do que a própria vida. Porém, o mistério recebe este nome justamente porque não nos cabe compreendê-lo, mas tão-somente aceitá-lo. Sendo assim, aceito, agradeço e espero apenas, um dia, poder, de algum modo, oferecer a alguém uma dádiva semelhante a esta que hoje recebo.
Quinta, 10 de fevereiro de 2011
(Texto publicado originalmente em WWW.jornalistas.blog.br).
sexta-feira, 9 de janeiro de 2015
quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
La Garganta Del Diablo
As referências de alguém que não está pautado nem orientado pelo sentido da visão são e estão em seu próprio corpo; começam a partir do corpo e terminam também nele. Assim, como explicar e como entender algo de proporções tão grandes e literalmente intocáveis, no sentido tátil, quanto as Cataratas do Iguaçu quando não se vê? Essa foi uma lacuna que se me defrontou uma vez, mas, contrariamente ao esperado, foi também brilhante e singelamente resolvida.
Todos a minha volta admiravam as quedas d’água e exclamavam coisas como: “Nossa, olha só”! “Que lindo”! “Quanta água”! Eu, por minha parte, ouvia aquele rugido colossal que parecia projetar-se das profundezas da terra e tentava imaginar um cenário que correspondesse às tantas exclamações que escutava. Até que o grupo separou-se e veio a proposta da Elizete, que eu já conhecia de outros carnavais:
- Quer que eu te leve lá na passarela? Assim, mesmo você não vendo as cachoeiras, vai sentir a água, aí vai imaginando...
Claro, aceitei imediatamente e fomos indo, ouvindo aquele fungar inominável das águas que, lançadas para cima e trazidas pelo vento, esparziam o meu corpo e cabelos naquela neblina revigorante e fresca... Até que chegamos frente a frente com a Garganta do Diabo. Parei diante dela, encostada à grade, deixando que a água me molhasse, contemplando aquele vazio inquietante e ruidoso lá embaixo... Agora aquelas tantas exclamações das pessoas começavam a fazer algum sentido. Assim ganhei as cataratas de presente pela primeira vez. Mas não foi essa a única representação que tive delas.
Para minha surpresa, Marcelo, o nosso guia lá de Foz do Iguaçu, sentando-se ao meu lado em um parque, perguntou, assim, de chofre:
- Me diz uma coisa... E você? O que ta achando das cataratas?... Na sua imaginação, como é isso?
- Amedrontador – respondi em uma palavra procurada durante algum tempo.
- Sim, de fato, é amedrontador – continuou ele – Mas, além disso, o que mais? Como você imagina, aí nas suas ideias, que sejam as cataratas?
Respondi que não era capaz de imaginar algo assim de proporções tão grandes. Para mmeu contentamento, ganhei as cataratas de presente pela segunda vez em tão curto espaço de tempo. Conto em um minuto como foi isso. Só peço licença para destacar aqui algumas proporções, informações, que permitirão aos demais leitores cegos desta crônica entender o porquê da minha dificuldade em imaginar o que Marcelo me perguntava. Conto como ele me presenteou daqui a pouco.
As Cataratas do Iguaçu demarcam, no rio Iguaçu – do tupi-guarani água grande – a fronteira natural entre o Brasil, em Foz do Iguaçu, no estado brasileiro do Paraná, e Puerto Iguazú, na província argentina de Misiones. São cerca de 275 quedas de água, sendo a mais impressionante delas a chamada Garganta do Diabo, exatamente na fronteira mencionada entre Brasil e Argentina, uma cachoeira com mais de 80 metros de altura. Historicamente, o primeiro europeu a avistar as cataratas do Iguaçu foi o conquistador espanhol Álvar Nuñez Cabeza de Vaca, por volta dos anos 1540. Escolhi, para intitular esta crônica, o nome desta queda mais importante, mas em espanhol, que para mim deixa a garganta mais diabólica do que em português... hahaa
Bem, agora posso continuar contando como o Marcelo conseguiu tornar concreta para mim a tão distante e inatingível Garganta do Diabo. Sentado ao meu lado, ele pediu licença e,tomando o meu antebraço esquerdo, posicionou-o na mesa a nossa frente de maneira horizontal, pedindo-me que abrisse os dedos daquela mão espalmada. Tocando a extensão do meu antebraço, começou:
- Imaginariamente, este aqui é o Rio Iguaçu.
Fazendo com os dedos uma massa compacta como quando gostaríamos de mostrar um número 4, continuou, tocando a letra “u” que se formava entre meu polegar e indicador:
- nos seus dedos estão as quedas das cataratas. Aqui no seu polegar estamos do lado brasileiro das cachoeiras. No seu indicador, passamos ao lado argentino. Aqui – disse, tocando a curva do “u” – é a Garganta do Diabo, que a gente vê de frente quando está no lado brasileiro das cataratas e de cima quando está no lado argentino, onde vemos toda essa água despencando sem parar – completou, indo e voltando com os quatro dedos na curva do “u” com rapidez, como a concretizar o fluxo frenético da água jorrante. – E, só para você saber – continuou, posicionando o meu braço direito a uma curta distância, verticalmente – Este aqui é o Rio Paraná.
Ah! Então era isso! As cataratas, claro que em proporção muitíssimo maior, eram assim... Era esse o fenômeno que toda a gente olhava abismada... Foi como se tivesse sido jogado um feixe intenso de luz sobre aquela irriquieta cortina d’água... E foi assim que, como eu disse, em um passe de mágica, ganhei as cataratas do Iguaçu de presente... Duas vezes!
- Obrigada, Elizete! Valeu, Marcelo! Onde havia um gigantesco ponto de interrogação vocês colocaram textura, cor, tamanho... O tipo da coisa que não tem preço.
Todos a minha volta admiravam as quedas d’água e exclamavam coisas como: “Nossa, olha só”! “Que lindo”! “Quanta água”! Eu, por minha parte, ouvia aquele rugido colossal que parecia projetar-se das profundezas da terra e tentava imaginar um cenário que correspondesse às tantas exclamações que escutava. Até que o grupo separou-se e veio a proposta da Elizete, que eu já conhecia de outros carnavais:
- Quer que eu te leve lá na passarela? Assim, mesmo você não vendo as cachoeiras, vai sentir a água, aí vai imaginando...
Claro, aceitei imediatamente e fomos indo, ouvindo aquele fungar inominável das águas que, lançadas para cima e trazidas pelo vento, esparziam o meu corpo e cabelos naquela neblina revigorante e fresca... Até que chegamos frente a frente com a Garganta do Diabo. Parei diante dela, encostada à grade, deixando que a água me molhasse, contemplando aquele vazio inquietante e ruidoso lá embaixo... Agora aquelas tantas exclamações das pessoas começavam a fazer algum sentido. Assim ganhei as cataratas de presente pela primeira vez. Mas não foi essa a única representação que tive delas.
Para minha surpresa, Marcelo, o nosso guia lá de Foz do Iguaçu, sentando-se ao meu lado em um parque, perguntou, assim, de chofre:
- Me diz uma coisa... E você? O que ta achando das cataratas?... Na sua imaginação, como é isso?
- Amedrontador – respondi em uma palavra procurada durante algum tempo.
- Sim, de fato, é amedrontador – continuou ele – Mas, além disso, o que mais? Como você imagina, aí nas suas ideias, que sejam as cataratas?
Respondi que não era capaz de imaginar algo assim de proporções tão grandes. Para mmeu contentamento, ganhei as cataratas de presente pela segunda vez em tão curto espaço de tempo. Conto em um minuto como foi isso. Só peço licença para destacar aqui algumas proporções, informações, que permitirão aos demais leitores cegos desta crônica entender o porquê da minha dificuldade em imaginar o que Marcelo me perguntava. Conto como ele me presenteou daqui a pouco.
As Cataratas do Iguaçu demarcam, no rio Iguaçu – do tupi-guarani água grande – a fronteira natural entre o Brasil, em Foz do Iguaçu, no estado brasileiro do Paraná, e Puerto Iguazú, na província argentina de Misiones. São cerca de 275 quedas de água, sendo a mais impressionante delas a chamada Garganta do Diabo, exatamente na fronteira mencionada entre Brasil e Argentina, uma cachoeira com mais de 80 metros de altura. Historicamente, o primeiro europeu a avistar as cataratas do Iguaçu foi o conquistador espanhol Álvar Nuñez Cabeza de Vaca, por volta dos anos 1540. Escolhi, para intitular esta crônica, o nome desta queda mais importante, mas em espanhol, que para mim deixa a garganta mais diabólica do que em português... hahaa
Bem, agora posso continuar contando como o Marcelo conseguiu tornar concreta para mim a tão distante e inatingível Garganta do Diabo. Sentado ao meu lado, ele pediu licença e,tomando o meu antebraço esquerdo, posicionou-o na mesa a nossa frente de maneira horizontal, pedindo-me que abrisse os dedos daquela mão espalmada. Tocando a extensão do meu antebraço, começou:
- Imaginariamente, este aqui é o Rio Iguaçu.
Fazendo com os dedos uma massa compacta como quando gostaríamos de mostrar um número 4, continuou, tocando a letra “u” que se formava entre meu polegar e indicador:
- nos seus dedos estão as quedas das cataratas. Aqui no seu polegar estamos do lado brasileiro das cachoeiras. No seu indicador, passamos ao lado argentino. Aqui – disse, tocando a curva do “u” – é a Garganta do Diabo, que a gente vê de frente quando está no lado brasileiro das cataratas e de cima quando está no lado argentino, onde vemos toda essa água despencando sem parar – completou, indo e voltando com os quatro dedos na curva do “u” com rapidez, como a concretizar o fluxo frenético da água jorrante. – E, só para você saber – continuou, posicionando o meu braço direito a uma curta distância, verticalmente – Este aqui é o Rio Paraná.
Ah! Então era isso! As cataratas, claro que em proporção muitíssimo maior, eram assim... Era esse o fenômeno que toda a gente olhava abismada... Foi como se tivesse sido jogado um feixe intenso de luz sobre aquela irriquieta cortina d’água... E foi assim que, como eu disse, em um passe de mágica, ganhei as cataratas do Iguaçu de presente... Duas vezes!
- Obrigada, Elizete! Valeu, Marcelo! Onde havia um gigantesco ponto de interrogação vocês colocaram textura, cor, tamanho... O tipo da coisa que não tem preço.
domingo, 4 de janeiro de 2015
O Paraguai Além da Fronteira
“Sy (Madre)
Ahai nde resa/ha mitãnguéra oma’ẽ./Ahaí nde juru/ha mitãnguéra opuka./Ahai nde réra/ha mitãnguéra oñe’ẽ.
Dibujo tus ojos/y los niños miran./Dibujo tu boca/y los niños sonríen./Dibujo tu nombre/y los niños hablan”. (Cristian David Lopez).
A maior parte das pessoas, quando vai a Ciudad Del Este fazer compras, diz, de boca cheia, que foi ao Paraguai, que conheceu o Paraguai. Realmente, trata-se de território paraguaio, mas do ponto de vista de país e de povo, essa é uma redução em muito equivocada e bastante simplista.
Ao começarmos a atravessar a chamada Ponte da Amizade – primeiro dos sinais concretos dessa relação comercial estreita que inegavelmente existe entre Paraguai e Brasil -, já impressiona o fluxo intenso de pessoas e de tudo aquilo que anda sobre rodas, de grande porte e de porte pequeno. As instruções que se recebe são para permanecer dentro dos shoppings, para evitar as ruas. E, de fato, se dentro dos shoppings está um mundo – luxuoso, de temperatura agradável, espaçoso e calmo -, nas ruas se vê o oposto dele. Motos aos montes, um trânsito infernal, que para recordar o trânsito da Índia só faltam os camelos, elefantes e gado transitando pelas ruas. Todo o cuidado é literalmente pouco. E mais ainda quando não se vê; cruzar as ruas de Ciudad Del Este é verdadeiramente uma odisseia.
Você está concentrado no trânsito, em não ser atropelado por nenhuma das infinitas motos que surgem não sei de onde e vão para tantos lugares, nas calçadas tão difíceis quanto as do Brasil, quando de repente um vendedor ambulante chega te oferecendo cinco meias por não sei quantos reais. Você diz que não, obrigado, ele começa a aumentar as meias: seis, sete, oito, dez, doze... Quanto mais você diz que não, mais ele aumenta. Até que chega um ponto em que, sem exagerar, ele teria um lucro zero, mas não importa, aumenta que aumenta. Você sai andando naquela 25 de Março piorada e o vendedor segue lado a lado, aumenta que aumenta. Desvencilhar-se de um desses ambulantes paraguaios é uma tarefa difícil. E quando você consegue deixar um para trás, em menos de um minuto surge outro, ora criança, ora adulto e assim as coisas vão. Isso foi algo que me deixou com um pouco de medo, acho que já trazido aqui do Brasil, onde toda a desconfiança é pouca quando um estranho começa a andar com você lado a lado insistentemente pelas calçadas. Bem fundamentado ou não, o medo existiu, mas acho que o vender vinha antes de qualquer outra possível pretensão. Considero isso até compreensível. O comércio é o que literalmente dá vida, em todos os sentidos, à Ciudad Del Este. E, prioritariamente, comércio com brasileiros. Ao que parece, comerciar é uma tradição passada de pai para filho por força das circunstâncias; ou você vende ou você vende. (e agora, com o dólar nas alturas, o mais provável é que você não venda). Como turista é uma situação difícil, mas quando se avalia o lado humano das coisas, são atitudes perfeitamente compreensíveis.
Se olfativamente esse é um ambiente onde se sente de tudo, visualmente, pelo que me contaram, as ruas não são muito diferentes, se vê também de tudo. O tempo que passei lá foi pouco, bem curto, só o de transitar de um shopping a outro, mas cada flash desse cotidiano era um pequeno pedaço de um grande mosaico que ia se desenhando a cada passo.
Tudo isso, porém, é muito pouco para alguém poder dizer: “Estive no Paraguai”! Desculpe, caro leitor, se você um dia, indo somente a Ciudad Del Este, já fez essa afirmação, mas lamento, você, como eu, esteve no Paraguai e ao mesmo tempo lá não esteve. Se esteve apenas em Ciudad Del Este, você ouviu falar de ambulantes, de pirataria, de contrabando, de comércio, de sacoleiros, de multidão, de contas que, com poucos reais, resultam numa quantidade astronômica e confusa de zeros em guaranis, mas raramente algo além disso. Você não deve saber, por exemplo, como agora aprendi – né, Marcelo? -, que o Paraguai, além de vender, tem indústrias e não tem quase impostos. Que, pela parceria com o Brasil na construção da usina binacional de Itaipu, é autossuficiente na produção de energia elétrica. Não deve saber que quando se passa Ciudad Del Esste há todo um mundo completamente desconhecido a quem esteve apenas lá. Não deve saber que a capital, Assunção – ou Asunción para entrarmos mais no clima – é um dos polos culturais da América Latina... Pois é... E é mesmo. Normalmente, aqui no Brasil, poucas pessoas que vão ao Paraguai sabem dessas coisas. Aposto como você não deve ter ouvido nada de espanhol e pouco de guarani – as línguas oficiais do país. O português predomina, com pouco sotaque. Mas isso só lá, em Ciudad Del Este...
Como eu sei? Se já estive em outros lugares do Paraguai? A resposta é não, também não passei de Ciudad Del Este, mas tive um avô que adorava contar histórias aos netos já grandes; histórias reais, principalmente de viagens. E várias dessas viagens dele, montando máquinas, foram para o Paraguai, para Asunción. Assim eu conheci o Lago de Ipacaraí... Conheci a simplicidade das índias em suas casinhas rústicas, cozendo frugalmente e falando guarani, palavras e expressões que meu avô repetia reproduzindo com facilidade os sotaques, ensinava com paciência, a mim, única da família a quem ele contava detalhes dessas histórias. Palavras e expressões cheias de vogais e, por isso, adocicadas de uma doçura que as línguas latinas, com uma consoante ou mais para quase cada vogal, não carregam apesar da melodia. Com as histórias do meu avô conheci a harpa paraguaia, ouvi a mescla de espanhol e guarani nas músicas – em sua maioria lamentosas e muitas vezes em tons menores -, aprendi a diferenciar uma língua da outra, aprendi a gostar da Perla, a paraguaia, não essa aí do funk... Pelamor! Com as histórias do meu avô, quando pisei fora do primeiro shopping de Ciudad Del Este, eu soube que estava sim no Paraguai, mas não no Paraguai sobre o qual ele contava. Eu soube que estava em um Paraguai estereotipado, em uma cidadezinha comerciária de fronteira que é tomada para definir o contexto de todo um país que, embora pequeno, tem muito mais do que Ciudad Del Este para mostrar. Mas antes de mais nada, eu soube que, para conhecer o Paraguai a respeito do qual ele contava com tantos pormenores, a viagem que eu teria de fazer um dia seria completamente outra...
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