domingo, 4 de janeiro de 2015

O Paraguai Além da Fronteira


“Sy (Madre)

Ahai nde resa/ha mitãnguéra oma’ẽ./Ahaí nde juru/ha mitãnguéra opuka./Ahai nde réra/ha mitãnguéra oñe’ẽ.
Dibujo tus ojos/y los niños miran./Dibujo tu boca/y los niños sonríen./Dibujo tu nombre/y los niños hablan”. (Cristian David Lopez).


A maior parte das pessoas, quando vai a Ciudad Del Este fazer compras, diz, de boca cheia, que foi ao Paraguai, que conheceu o Paraguai. Realmente, trata-se de território paraguaio, mas do ponto de vista de país e de povo, essa é uma redução em muito equivocada e bastante simplista.

Ao começarmos a atravessar a chamada Ponte da Amizade – primeiro dos sinais concretos dessa relação comercial estreita que inegavelmente existe entre Paraguai e Brasil -, já impressiona o fluxo intenso de pessoas e de tudo aquilo que anda sobre rodas, de grande porte e de porte pequeno. As instruções que se recebe são para permanecer dentro dos shoppings, para evitar as ruas. E, de fato, se dentro dos shoppings está um mundo – luxuoso, de temperatura agradável, espaçoso e calmo -, nas ruas se vê o oposto dele. Motos aos montes, um trânsito infernal, que para recordar o trânsito da Índia só faltam os camelos, elefantes e gado transitando pelas ruas. Todo o cuidado é literalmente pouco. E mais ainda quando não se vê; cruzar as ruas de Ciudad Del Este é verdadeiramente uma odisseia.

Você está concentrado no trânsito, em não ser atropelado por nenhuma das infinitas motos que surgem não sei de onde e vão para tantos lugares, nas calçadas tão difíceis quanto as do Brasil, quando de repente um vendedor ambulante chega te oferecendo cinco meias por não sei quantos reais. Você diz que não, obrigado, ele começa a aumentar as meias: seis, sete, oito, dez, doze... Quanto mais você diz que não, mais ele aumenta. Até que chega um ponto em que, sem exagerar, ele teria um lucro zero, mas não importa, aumenta que aumenta. Você sai andando naquela 25 de Março piorada e o vendedor segue lado a lado, aumenta que aumenta. Desvencilhar-se de um desses ambulantes paraguaios é uma tarefa difícil. E quando você consegue deixar um para trás, em menos de um minuto surge outro, ora criança, ora adulto e assim as coisas vão. Isso foi algo que me deixou com um pouco de medo, acho que já trazido aqui do Brasil, onde toda a desconfiança é pouca quando um estranho começa a andar com você lado a lado insistentemente pelas calçadas. Bem fundamentado ou não, o medo existiu, mas acho que o vender vinha antes de qualquer outra possível pretensão. Considero isso até compreensível. O comércio é o que literalmente dá vida, em todos os sentidos, à Ciudad Del Este. E, prioritariamente, comércio com brasileiros. Ao que parece, comerciar é uma tradição passada de pai para filho por força das circunstâncias; ou você vende ou você vende. (e agora, com o dólar nas alturas, o mais provável é que você não venda). Como turista é uma situação difícil, mas quando se avalia o lado humano das coisas, são atitudes perfeitamente compreensíveis.

Se olfativamente esse é um ambiente onde se sente de tudo, visualmente, pelo que me contaram, as ruas não são muito diferentes, se vê também de tudo. O tempo que passei lá foi pouco, bem curto, só o de transitar de um shopping a outro, mas cada flash desse cotidiano era um pequeno pedaço de um grande mosaico que ia se desenhando a cada passo.

Tudo isso, porém, é muito pouco para alguém poder dizer: “Estive no Paraguai”! Desculpe, caro leitor, se você um dia, indo somente a Ciudad Del Este, já fez essa afirmação, mas lamento, você, como eu, esteve no Paraguai e ao mesmo tempo lá não esteve. Se esteve apenas em Ciudad Del Este, você ouviu falar de ambulantes, de pirataria, de contrabando, de comércio, de sacoleiros, de multidão, de contas que, com poucos reais, resultam numa quantidade astronômica e confusa de zeros em guaranis, mas raramente algo além disso. Você não deve saber, por exemplo, como agora aprendi – né, Marcelo? -, que o Paraguai, além de vender, tem indústrias e não tem quase impostos. Que, pela parceria com o Brasil na construção da usina binacional de Itaipu, é autossuficiente na produção de energia elétrica. Não deve saber que quando se passa Ciudad Del Esste há todo um mundo completamente desconhecido a quem esteve apenas lá. Não deve saber que a capital, Assunção – ou Asunción para entrarmos mais no clima – é um dos polos culturais da América Latina... Pois é... E é mesmo. Normalmente, aqui no Brasil, poucas pessoas que vão ao Paraguai sabem dessas coisas. Aposto como você não deve ter ouvido nada de espanhol e pouco de guarani – as línguas oficiais do país. O português predomina, com pouco sotaque. Mas isso só lá, em Ciudad Del Este...

Como eu sei? Se já estive em outros lugares do Paraguai? A resposta é não, também não passei de Ciudad Del Este, mas tive um avô que adorava contar histórias aos netos já grandes; histórias reais, principalmente de viagens. E várias dessas viagens dele, montando máquinas, foram para o Paraguai, para Asunción. Assim eu conheci o Lago de Ipacaraí... Conheci a simplicidade das índias em suas casinhas rústicas, cozendo frugalmente e falando guarani, palavras e expressões que meu avô repetia reproduzindo com facilidade os sotaques, ensinava com paciência, a mim, única da família a quem ele contava detalhes dessas histórias. Palavras e expressões cheias de vogais e, por isso, adocicadas de uma doçura que as línguas latinas, com uma consoante ou mais para quase cada vogal, não carregam apesar da melodia. Com as histórias do meu avô conheci a harpa paraguaia, ouvi a mescla de espanhol e guarani nas músicas – em sua maioria lamentosas e muitas vezes em tons menores -, aprendi a diferenciar uma língua da outra, aprendi a gostar da Perla, a paraguaia, não essa aí do funk... Pelamor! Com as histórias do meu avô, quando pisei fora do primeiro shopping de Ciudad Del Este, eu soube que estava sim no Paraguai, mas não no Paraguai sobre o qual ele contava. Eu soube que estava em um Paraguai estereotipado, em uma cidadezinha comerciária de fronteira que é tomada para definir o contexto de todo um país que, embora pequeno, tem muito mais do que Ciudad Del Este para mostrar. Mas antes de mais nada, eu soube que, para conhecer o Paraguai a respeito do qual ele contava com tantos pormenores, a viagem que eu teria de fazer um dia seria completamente outra...

Um comentário:

  1. Olá querida amiga , estão de volta ? Realmente é impossível dizer que conheceu o Paraguai indo somente a Cidade del Este , ñ é ponto de referencia , ñ é histórico. Tbém é preciso antes saber de parte da historia . Um dia quem sabe ... Bjs carol

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