quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Recuerdos Del Paisito: Colonia Del Sacramento

Neste estágio da viagem conhecemos lugares bastante distintos dos que havíamos visto até então. Viajando agora pelo Oeste do país se nos apresentou a produção de frutas, verduras, leite, mel... Estão presentes ali os vilarejos e em bem menor número são as árvores, visão oposta à que tivemos quando fomos rumo ao departamento de Maldonado. No entanto, chama a atenção a presença abundante, em determinado trecho do caminho, das palmeiras canarienses.

Trafegando pela estrada plana e serpenteante vamos descobrindo que está presente com grande força nessa região a influência dos Imigrantes. A chamada Guerra Grande (1839-1851), já visitada em uma crônica anterior, teve papel decisivo nessa história. Com o seu fim e o país em falência econômica generalizada, imigrantes europeus (suíços, piamonteses, espanhóis...) chegavam trazendo suas ferramentas e conhecimentos novos sobre a terra e o gado, que fizeram o Uruguai, já livre da guerra civil, começar novamente a prosperar. Era esse, em parte, o cenário que nos aguardava. Porém, a história do departamento de Colonia, onde logo chegamos, bem como de sua capital, a cidadezinha antiga de Colonia Del Sacramento, começa em um período bem mais anterior. E quando digo antiga não me refiro somente ao aspecto arquitetônico antigo do local; digo antiga também para explicitar que, em Colonia Del Sacramento, tudo recende a antiguidade, como se o tempo lá não passasse.

A cidade então chamada Colônia Do Santíssimo Sacramento, na época uma possessão portuguesa em meio às terras da coroa espanhola, foi a primeira cidade do país que hoje se denomina República Oriental do Uruguai. Então temos lá a primeira igreja do Uruguai, o primeiro colégio do Uruguai e assim por diante. Fundada em 1680 por Manuel Lobo – governador da Capitania Real do Rio de Janeiro -, a intenção portuguesa com o estabelecimento desta cidade dentro dos domínios espanhóis era, além do componente bélico, minerar e traficar por intermédio do Rio da Prata. Durante quase cem anos Colonia Del Sacramento foi tomada pelas armas pelos espanhóis, recuperada diplomaticamente pelos portugueses, retomada pelas armas pelos espanhóis etc., etc., etc., assim sucessivamente. Em 1777, torna-se definitivamente possessão espanhola, como preconizou o Tratado de Badajoz. Essa alternância luso-espanhola no poder deixou uma herança visível: as casas espanholas, de traços retilíneos como os de um tabuleiro de xadrez, se misturam às portuguesas, que seguem o relevo do lugar. Esse desenho peculiar, aliado às ruas de pedras portuguesas, à semelhança da cidade brasileira de Paraty, ajudam a dar-lhe o ar de tempos antigos.

E novamente em Colonia Del Sacramento, na década de 70 do século XX, o impulso econômico argentino se fez sentir no Uruguai, como já retratado em outras ocasiões aqui mesmo nestas crônicas. Até então, passado o furor da disputa pelo poder entre espanhóis e portugueses e afastadas de vez ambas as metrópoles com a independência do país e das demais colônias luso-espanholas, a cidade, depois da desativação do complexo turístico de Real de San Carlos – com a proibição nacional das touradas em 1912, foi se tornando uma localidade perigosa e desvalorizada, conhecida como el bajo. Situada a apenas 45 quilômetros de Buenos Aires, começou a ser gradualmente recuperada pelos argentinos por meio do turismo. Em 1995 foi declarada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.

Em Colonia Del Sacramento me aconteceu algo inusitado. Feito o passeio pela cidade, almoçamos. Então eu quis voltar à basílica, rezar com mais tranquilidade e comprar algumas lembranças. A questão era: onde está a igreja mesmo? E anda que anda e nada de igreja. O tempo corria impiedoso, tínhamos quinze minutos antes que o ônibus partisse no horário combinado. Íamos desistir quando ouvi um sino. Estaquei onde estava, apontei a direção com a mão direita e disse à minha amiga: “Aqui”! Sem que ela tivesse certeza visual de que íamos na direção correta, seguimos o som do sino; tínhamos pouco tempo e não muita escolha. E, depois de um pouco de tempo de quase-corrida, efetivamente, lá estava a igreja. Foi uma emoção diferente entrar com os uruguaios celebrando a missa, cantando. Aquelas preces em espanhol me inundaram por completo e entendi que haveria tempo para tudo. Deus havia feito soar o sino na hora exata. Nos permitiu chegar à igreja guiadas pelo som. Ao abrir-se a porta, os uruguaios cantavam em prece e novamente lá estava Deus. Então, sim, haveria tempo para tudo, porque no tempo de Deus há tempo para tudo.

Sempre fui fascinada por cidades que recordam outros tempos a partir do momento em que pela primeira vez nelas se pisa: Rotemburgo, Pompeia, Siena, Toledo, Araxá, Paraty... Colonia Del Sacramento é também uma delas. Não sei, nesses lugares me sinto em casa, como se houvesse algo de mim perdido em um tempo distante. Em cidades que têm tal atmosfera essa certeza sempre me visita e em Colonia Del Sacramento não foi diferente. Saí com a sensação de ter estado mais uma vez, em alma, em casa.

Um comentário:

  1. Lindoooooo, amei . Como vc tbém tenho uma sintonia emocionante com cidades que tem muita história , é como se eu já tivesse feito parte de tudo . me emociono sempre , é lindo de viver estas experiências . Bjs amiga . Carol

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