Tendo chegado ao fim a viagem propriamente dita, com os lugares, paisagens, peculiaridades, pessoas que conheci no Uruguai, quase tudo já devidamente descrito e bem-guardado, devo começar a me despedir. No entanto, esta não será uma despedida breve. Minhas últimas três crônicas serão bastante pessoais: duas sobre como se originou e vem desenvolvendo esse pequeno e aprazível país e a última sobre aquilo que percebi que o Uruguai tem de Brasil, porque é muito provável e possível, quase inevitável, que um brasileiro que vá até lá se sinta em casa.
Iniciando então o fechamento desta série sobre o “Paisito”, me cabe falar a respeito de um personagem tratado no Uruguai com solenidade a um só tempo terna e reverente, cuja história é um mosaico mesclado de Europa e Banda Oriental: o general Artigas, prócer da pátria. O Uruguai laico, liberal e vanguardista de hoje, em certa medida, deve muito às ideias, por que não dizer, revolucionárias de seu herói nacional.
José Gervasio Artigas nasceu em Montevidéu, em 1764, proveniente de uma fidalga família espanhola. Nesse tempo, as terras a Leste do Rio Uruguai – Banda Oriental -, eram disputadas pelos impérios espanhol e português, por conta dos imensos rebanhos de gado e cavalos selvagens existentes no pampa. Ao redor de Montevidéu alargava-se a vasta campanha plana e verdejante. Conta-se que, lá pelos catorze anos, Artigas deixou sua casa na cidadela, reaparecendo anos depois, liderando índios charruas, minuanos e guaranis, bem como desertores espanhóis e portugueses e escravos fugidos. Todos esses eram os seguidores multiétnicos com os quais passou a conviver, chamados, em espanhol, de gauchos, e de gaúchos em português.
Aos trinta e três anos entrou para o serviço da Coroa Espanhola. Naquele país, em 1808, consolidando seu plano de tomar posse da Europa, Napoleão Bonaparte invade a Espanha, depõe o rei Carlos IV e entrega o trono usurpado a seu irmão José Bonaparte, enquanto a família real portuguesa se instala no Brasil, fugindo a destino similar.O caos instaurado na Espanha abre brecha às lutas de independência de suas colônias na América. Os atuais Paraguai, Peru, Chile, Argentina, Uruguai e fatias do que hoje é o Rio Grande do Sul declaram independência em 1810, formando a Junta de Buenos Aires. O governo de Montevidéu declara lealdade à Espanha.
Em 1811 Artigas deserta do exército espanhol e se une aos revolucionários com seu próprio exército gaucho. De seu cavalo, o general reunia combatentes por onde passava. Combatentes e suas famílias. Aquela nação nômade que se formava seguia seu líder por onde quer que ele fosse. Trajando endumentária gaucha, o general de olhos esverdeados, expressão sisuda e rosto bronzeado de sol pregava a liberdade civil e religiosa e a cessão de terras aos índios. As formações espanholas, estabelecidas de maneira lenta e disciplinada, eram sorrateiramente atacadas e debeladas graças à ligeireza das montarias das tropas artiguistas. Ainda naquele ano Montevidéu fica prestes a ruir na batalha de Las Piedras.
Sem saída, o governo da cidadela busca a ajuda do reino de Portugal, seu antigo inimigo. Carlota Joaquina, princesa dos reinos de Brasil, Portugal e Algarves e filha do deposto rei espanhol Carlos IV, mais do que de pressa faz atender ao apelo do governo de Montevidéu, com a intenção oculta de anexar a Banda Oriental aos territórios portugueses. Artigas foge com cerca de 80% daquela que um dia seria a população uruguaia para a atual província argentina de Entre-Rios, conseguindo tomar Montevidéu em 1814. Encerrado o domínio espanhol na região do Prata, a Junta de Buenos Aires tenta anexar a Banda Oriental à União Argentina, sendo impedida pelo exército de Artigas, que, combatendo seus antigos aliados portenhos, passa a ser novamente caçado por espanhóis e portugueses, além dos argentinos. Esse cerco dura até 1821, quando Artigas exila-se no Paraguai, até sua morte em 1850. O território uruguaio é anexado aos reinos de Portugal, Brasil e Algarves sob o nome de Província Cisplatina e, após a independência do Brasil, torna-se parte desse império.
Porém, o ideal do novo país que teria lugar na antiga Banda Oriental já tinha sido semeado. Em 19 de abril de 1825, um grupo liderado por ex-seguidores de Artigas – já exilado -, dentre eles Fructuoso Rivera, Manuel Oribe e Juan Antonio Lavalleja, e conhecido como os Trinta E Três Orientais, chega à cidade de Florida. Não eram apenas orientais nem apenas trinta e três, mas esse número corresponde ao grau supremo da Maçonaria e é oficialmente aceito no país. Em 25 de agosto do mesmo ano a Assembleia Constituinte se reúne e declara a independência da República Oriental do Uruguai, depositando aos pés daquela que seria mais tarde chamada Virgem Dos Trinta E Três Orientais, além da bandeira tricolor com três listras horizontais: vermelha, azul e branca – cores já disseminadas nos tempos de Artigas -, os rumos do novo país do qual ela seria um dia padroeira. Em 1828 esse ato ganha o devido reconhecimento por parte de brasileiros e argentinos e a história uruguaia ganha novos rumos.
Quando estive detidamente diante do monumento erigido a Artigas, ventava forte e chovia gelado na antiga cidadela que se fez grande. Ainda assim, a atmosfera solene mas não pesada reinava na praça. Do alto de seu cavalo alto, era como se o velho gaucho nos observasse a todos. A água tornava o piso escorregadio e liso, mas ninguém resistiria à oportunidade de chegar um pouquinho mais perto do prócer, até porque a chuva de Montevidéu não devia ser, para ele, nenhuma novidade. Ninguém resistiria e, claro, eu também não resisti.
Que bom tomar conhecimento de uma parte importante da história Uruguaia e saber um pouco mais do General Artigas que lá do alto do seu cavalo , em monumento numa praça em Montevidéu , está como uma atenta sentinela a defender seu país. parabéns Yara , amei mais esta crõnica . Carol
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