sábado, 13 de setembro de 2014

Recuerdos Del Paisito: La Música


Assim que pus os pés no Uruguai pensei que escutaria muita música tradicional do país, mas isso não aconteceu tão imediatamente. Contudo, essa parte da conversa fica para uma crônica posterior. O que posso dizer é que, há uns dois anos mais ou menos, uma amiga pianista me disse: “Você precisa ir ao Uruguai, ouvir a musicalidade de lá e como é linda a predominância do piano em relação aos outros instrumentos, escutando tudo ser executado ali, na sua frente. É algo maravilhoso para nós, que tocamos”. Posteriormente, outros eventos foram se sucedendo e me encaminhando ao Uruguai, até que consegui concretizar isso.

Em busca, então, de conhecer a tão proclamada musicalidade uruguaia, fui a um espetáculo só para isso, em uma casa de shows muito bonita, El Milongón. A noite de música foi dividida em três blocos que, sucedendo-se de maneira bem definida, deram um panorama geral e de certo modo cronológico de como se formou e desenvolveu a musicalidade uruguaia, representados os seus momentos por grupos distintos de músicos e dançarinos, que traziam ao palco o que havia de melhor na manifestação musical específica a que se dedicavam. Vou descrever aqui cada um desses blocos, com um pouco do que ouvi, mas também, como não poderia deixar de ser, com algumas impressões próprias. Só advirto desde já que, para mim, fez falta no show a parte da milonga.

Iniciamos pelo componente folclórico, introduzidos à musicalidade gaúcha. Os gaúchos tocavam tambores, animicamente, recordando algo de influência indígena na musicalidade platina. Tocavam e dançavam, acompanhando com movimentos enérgicos, sincronizados, muito sonoros e bem ritmados de pés e palmas a cadência ancestral e bem marcada dos tambores. As coreografias mostravam, ora, as rivalidades entre os homens, provocando-se mutuamente, Ora ilustravam suas disputas pelas mulheres.

Em um segundo momento, ainda dentro da musicalidade gaúcha, o violão passou a entoar uma melodia melancólica, em tons menores, que para os meus ouvidos era uma guarânia ou algo parecido. Não sei dizer por que, mas desde que me conheço por gente, quando ouço os primeiros acordes lamentosos de alguma guarânia, me vem à mente algo de luar, de noite enluarada... Deve ser alguma lembrança infantil muito vaga, alguma história, um momento qualquer, que jamais vou identificar. A única coisa que sei é que, uma vez mais, essa lembrança veio me visitar, no Milongón.

Sucedendo-se à música gaúcha, foi chamado ao palco, com sua dramaticidade imponente, o señor Tango. Surgido a ambas as margens do Prata,em Rosário, Buenos Aires e Montevidéu, primeiramente foi ritmo restrito às zonas e cabarés, executado pelo violão e instrumentos de sopro. Incorporado o bandulión, de origem alemã, essa música dolente derivada da habanera cubana e do tango espanhol ganhou um toque de glamur, sem perder a sensualidade voluptuosa que primeiro a caracterizou.

Os tangos sempre me acompanharam. Meu avô me trouxe desde cedo essa influência, herdada de suas andanças platinas, quando montava máquinas. Foi emocionante demais ouvir aqueles tangos que ele cantarolava estalando os dedos e batendo os chinelos, cujos movimentos faziam tilintar a pulseira metálica do relógio, os tangos com os quais eu cresci, sendo tocados ali, no palco, a poucos passos de mim; ouvir o bandulión sendo aberto e fechado, enchendo-se e esvaziando-se o fole; ouvir ser libertada do piano aquela torrente de notas melodiosas, brilhantes e luzidias, enquanto os acordes, ora cheios, graves e possantes, ora suaves e discretos, esboçavam marcadamente dramas, saudades, amores, fracassos... E Elisa, a minha amiga pianista do começo desta crônica, tinha razão, em absoluto. O paraíso dos pianistas amantes do tango e da milonga, sem efeitos especiais, ali, na raça, é Montevidéu!

Para fechar a noite, uma manifestação musical uruguaia pouco conhecida dos brasileiros, o candombe. Manifestação originada como meio de comunicação, com a chegada dos escravos bantús ao Uruguai (da mesma região africana da qual foram trazidos escravos ao Brasil), o candombe é executado em conjunto por três tambores distintos: tambor chico, tambor repique e tambor piano, cada um com seu timbre particular, cuja junção, agrupadamente, se denomina cuerda. No Milongón assistimos à comparsa campeã do último carnaval uruguaio. O candombero que cantava, acompanhado pelos tamborileros e estimulando-os também a tocar, era parecidíssimo com o nosso Jair Rodrigues, em fisionomia, voz e expressões. As letras que cantava eram de uma jocosidade graciosa. Quando tocavam apenas os tambores, organizados em sua métrica nem sempre constante, recordavam algo dos tambores da Bahia. Quando passavam a ser acompanhados pelos acordes do piano, a musicalidade do candombe ganhava um toque caribenho.

E assim, nesse dia, consegui o que eu primeiro buscava: terminar a viagem me sentindo transbordante de Uruguai!

2 comentários:

  1. Ahhhhhhhhhhhh, saudades boas daquela noite gloriosa ; tudo no local colaborava para que entrássemos no clima . A ansiedade era grande , o coração acelerava e por vezes se recusava a bater no compasso normal . Noite de encantamento . Tudo foi mesmo mto apreciado , mas o tango com sua nostalgia e sensualidade é algo que não dá pra esquecer . Parabéns querida Yara por retratar tão bem aquela gloriosa noite .

    ResponderExcluir
  2. Ah, obrigada! Que bom que gostou, afinal foi essa a ideia que originou tudo. Bjs

    ResponderExcluir