sábado, 6 de setembro de 2014

Recuerdos Del Paisito: Montevideo

A primeira impressão que tive quando comecei a percorrer Montevidéu a pé, tocando a parede antiga e rústica que restou daquela que antes fora uma cidade amuralhada, foi de que eu havia sido transportada magicamente aos tempos coloniais. Forte militar e porto natural, San Felipe y Santiago de Montevideo foi edificada por Bruno Mauricio de Zabala, em dezembro de 1726, para deter o avanço dos portugueses, que já haviam fundado à margem esquerda do Rio da Prata, ainda no século anterior, a cidade de Colônia do Santíssimo Sacramento e prosperavam, com pretensões de expandir seus domínios em terras do rei da Espanha e, assim, minerar e traficar por intermédio ddeste rio.

Sendo este monte o sexto que se poderia ver navegando a costa do Rio da Prata de Leste a Oeste, segundo relatos da época da fundação da cidade, academicamente sustenta-se que a origem do nome Montevideo – Monte-VI-D-E-O – seria: Monte VI de Leste a Oeste. No entanto, há também outras explicações mais controvertidas, sejam elas espontâneas, religiosas ou documentais. Contudo, nenhuma dessas explicações conta com provas realmente contundentes que possam sustentá-la em detrimento das demais.

Esta se propõe a ser uma visão mais geral da capital uruguaia, ficando suas particularidades mais marcantes para as próximas crônicas. Creio que o olhar desta cronista sobre a cidade parecerá distinto à maioria dos leitores, visto que irá descrevê-la do ponto de vista de alguém que não vê, levando, assim, em conta, detalhes que normalmente não são percebidos por aqueles que olham.

Montevidéu é uma cidade plana. Não é perfeita em termos de acessibilidade arquitetônica, como de resto poucas cidades são, mas suas dificuldades de acessibilidade, fisicamente falando, são menores frente a todas as cidades brasileiras que conheço. São pouco numerosas as irregularidades no pavimento, se bem que existam, claro, e as rampas para cadeirantes, pelas quais fiz questão de passar para verificar empiricamente, me pareceram todas bem construídas e com inclinação adequada.

No que toca às atitudes, uma muito grata surpresa: as pessoas, de modo geral, lidaram comigo, não só em Montevidéu mas nas outras cidades uruguaias onde estive, com naturalidade e espontaneidade, deixando-me tocar o que era necessário e mostrando-me concretamente, sem reservas, com o uso de seus corpos ou mãos, de objetos ou de demonstrações por meio de meu próprio corpo, o que havia para ser concretizado. Quando me lembro de tantas vezes nas quais já fui impedida de tocar objetos e lugares aqui no Brasil, seja em lojas, seja em museus, seja onde for, inclusive com as pessoas me dizendo que se eu tocasse determinado monumento a segurança me repreenderia ou prejudicaria o monitor, penso que, em se tratando de como lidar com pessoas com deficiência, em Montevidéu estive no melhor dos mundos. Porque é engraçado: tudo indica que aqui no Brasil, por exemplo, os cegos não consomem, não precisam ter acesso à cultura. Muitos olhares tortos, fiscalizadores e penalizados que tive aqui desde que me conheço por gente, e que percebo mesmo que se pense o contrário, lá, não tive em momento algum.

Para aqueles que me leem com olhos de ver registro, na paisagem da cidade, primeiro, seus grandes plátanos, e depois seus eucaliptos. Ainda posso mencionar suas muitas praças, parques e áreas verdes; capital com matizes de cidade do interior. Em seus 25 quilômetros de orla murada e bem pavimentada, os montevideanos praticam esportes, passeiam com os cachorros – muitos! Mas dificilmente estão sozinhos – brincam com as crianças ou simplesmente descansam.

No que tange à conservação, há, sim, claro, imóveis históricos, por exemplo, que necessitariam ser restaurados, como aqui. No entanto, o cuidado com o patrimônio me parece maior, outra lição que poderíamos ao menos começar a aprender.

Mais um ponto positivo a destacar parece ser a maior prudência no trânsito. Se os semáforos estão vermelhos para quem anda a pé, o pedestre aciona um botão. Eles ficam verdes, os carros param tão logo avistam a mudança e se pode atravessar as ruas com tranquilidade. Poucas foram as motos que vi, ou seja, nada de motoqueiros costurando o caminho entre os carros e amedrontando até mesmo os pedestres mais alerta. Algo curioso ao se transitar pelas calçadas: é como se houvesse uma linha imaginária vertical que dividisse a calçada em duas partes, uma para os pedestres que vão e outra para aqueles que vêm. Acredite-se ou não: essa linha traçada no imaginário coletivo dos montevideanos é impreterivelmente respeitada.

Os táxis, fechados na parte de trás, em que se vê o motorista através de vidros, me pareceram meio claustrofóbicos; na verdade me senti meio enjaulada neles – agora uma lembrança divertida -, mas compreendo que essa seja uma precaução que até poderia ajudar os taxistas brasileiros no que se relaciona aos assaltos a táxis, que têm se tornado cada vez mais frequentes aqui. Uma prática que creio seja comum aqui e lá são os atravessadores. No shopping Punta Carretas, por exemplo, que por sinal fica longe do centro, se você desejar pegar um táxi para voltar ao hotel, antes de pagar ao motorista, que está fazendo seu trabalho como deve, prepare-se para molhar com alguns pesos a mão do atravessador, que no meu caso foi um rapaz bem aparentado, com os cinco sentidos perfeitos e inegavelmente apto para fazer parte da população economicamente ativa do Uruguai... Mas vai ver que a exploração do turismo seja bastante mais rentável que o trabalho mensal, não é? Vá se saber... Por outro lado, não convem esquecer que todos os lugares, assim como tudo na vida, têm seus pontos positivos e negativos. Este é o ponto negativo que tenho para destacar na cidade.

O que me fica da capital uruguaia, para dizer em linhas bem gerais, é uma mescla entre o tradicional e o moderno; um olhar para a frente sem esquecer as origens de tudo. Gosto disso, faz a gente se repensar e se reencontrar no mundo...

2 comentários:

  1. O que nos diferencia de nossos vizinhos uruguaios é sem dúvida o saber da própria história e tê-la como referência para as conquistas que vão acontecendo . É um país de gente orgulhosa de sua caminhada , com valores distintos e olhar firme no futuro . País que dá muito valor à educação e formação acadêmica de seus jovens , embora sendo um país pequeno e com poucos recursos e diversidades econômicas . Uruguai ,país e povo que encanta . Linda crônica Yara .

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  2. Bom, é isso aí, só me resta assinar embaixo! Encanta.

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